EXPRESSO, 5-Março-2014 clique para ampliar |
O blogue Câmara Corporativa deu destaque à coluna de Nicolau Santos na última edição do EXPRESSO, com o título "A herança de Durão Barroso", que copio acima.
Não vou comentá-la toda, mas apenas este excerto do artigo do Director-Adjunto do EXPRESSO:
«… os dez anos durante os quais Barroso liderou a Comissão coincidiram, ponto por ponto, com o declínio do poder e da capacidade de intervenção do órgão executivo da União. Antes de Durão, funcionava o eixo Paris-Berlim para as grandes decisões, mas a Comissão condicionava a evolução da União, tomando iniciativas e avançando com propostas destinadas a defender os interesses dos pequenos países. Agora, manda Berlim, existe um presidente da União e a Comissão desapareceu em combate.»
A sensação e a constatação são, na verdade, estas: na última década, aumentou o poder dos "grandes", em particular da Alemanha; e, em consequência, a Comissão perdeu autonomia. E, todavia, houve uma evolução no sentido de reforçar o poder do Parlamento Europeu na constituição da Comissão, linha que se aprofundará nas próximas eleições europeias. Não é isto estranho? Não é estranho que, quando se tornou maior o peso do Parlamento Europeu, maior se tornou a preponderância da Alemanha? Não é estranho que a chamada "democratização" conduzisse a um fortalecimento dos "grandes"?
Em minha opinião, o facto tem a ver sobretudo com a realidade dos partidos políticos europeus.
O que se passou em 2004, quando da escolha de Barroso? Passou-se que, antecipando o desenho da fracassada Constituição Europeia e, mais tarde, o figurino do Tratado de Lisboa, o Partido Popular Europeu (PPE) lançou o repto de que deveria ser o partido mais votado nas eleições europeias de Junho 2004 a designar o Presidente da Comissão Europeia; e, sorrindo a vitória ao PPE, os seus órgãos políticos e os governos afectos a esta família política de centro-direita indicaram Durão Barroso, começando, assim, a vestir o fato de uma investidura "democrática".
Quem foi o porta-voz deste discurso, introduzindo a nova linha? O alemão Hans-Gert Poettering, na altura líder da bancada do grupo PPE/DE no Parlamento Europeu, cabeça-de-lista da CDU alemã nas eleições europeias de 2004 e, posteriormente, Presidente do Parlamento Europeu em 2007/09.
Percebe-se o entusiasmo dos alemães por este novo método de escolha do Presidente da Comissão Europeia. Dentro dos partidos políticos europeus, são os alemães que realmente controlam o poder: podem ser de outras nacionalidades os escolhidos (o que acontece naturalmente muitas vezes), mas só são escolhidos, quase sempre, os que têm a sua confiança.
Os alemães estiveram sempre entre os que lideraram o processo de constituição e desenvolvimento dos "partidos políticos europeus"; são os que mais investiram no seu funcionamento (directamente ou através das fundações políticas); sentem-se plenamente à vontade nas movimentações do seu aparelho e aí controlam mecanismos e posições nevrálgicas de poder. O seu peso como país mais populoso e mais rico da União Europeia faz-se, aí, sentir sem qualquer travão, filtro ou ambiguidade.
Logo em 2004, foi notório que a voz da CDU/CSU da Alemanha fora decisiva na indicação de Barroso. E, em 2009, aquando da recondução de Durão Barroso para um segundo mandato, toda a gente notou ainda mais o peso incontornável de Angela Merkel.
Ora, tudo isto tem um preço. Se os almoços não são grátis, os postos políticos ainda menos.
Agora, em 2014, o filme repete-se. O PPE indica como "candidato" a Presidente da Comissão o luxemburguês Jean-Claude Juncker, que é quem mais cedo colheu a preferência dos democrata-cristãos alemães - o challenger Michel Barnier, apesar de um bom resultado, foi derrotado nas "primárias" internas. E o outro grande partido europeu, o PSE, quem indica? Um alemão, pois claro! Martin Schulz, actual Presidente do Parlamento Europeu, é o "candidato" dos socialistas europeus para presidir à Comissão.
As eleições europeias de fim de Maio próximo poderão decidir muita coisa, mas esta já está decidida: ganhe quem ganhar, a Alemanha - onde, para mais, hoje governa uma coligação entre CDU/CSU e SPD - já garantiu um peso decisivo à frente da Comissão Europeia.
Esta é a explicação real por detrás do fenómeno apontado por Nicolau Santos. A dita "democratização" europeia pela linha do "reforço" do Parlamento Europeu e da mediação pelo "partidos políticos europeus" conduz em linha recta ao aumento do peso dos grandes países e, em especial, da Alemanha.
Esta é naturalmente uma questão ideológica - e de sistema. Porque há outras ideias e sistemas possíveis para democratizar a Europa e aproximá-la realmente dos eleitores.