quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Brexit ou não Brexit, eis a questão

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de João Luís Mota de Campos, saído hoje no jornal i

Sempre que os povos são chamados a pronunciar-se através da democracia direta, designadamente através de um referendo popular, corre-se o risco sério de se cair na tirania da maioria.


Brexit ou não Brexit, eis a questão
A vontade dos povos é volátil e imprecisa. Salvo em coisas essenciais, de entre as quais a existência das Nações, os povos raramente têm a capacidade e discernimento para tomar decisões informadas.

“[...] o facto de a maioria estar com a razão é mera casualidade, nunca uma tendência. Inúmeros exemplos históricos retratam isso, não apenas em guerras e revoluções, nas quais maiorias tomam decisões que violam até direitos fundamentais das minorias, mas também no quotidiano político, em que grupos minoritários são obrigados a assimilar sua vontade, na condição de detentores legítimos do poder.”

Foi por isso que se inventou a democracia representativa, em que o mandato dos eleitos não fica dependente da vontade dos eleitores, uma vez que os eleitos são convocados a tutelar os interesses gerais da sociedade civil, e não os interesses particulares desta ou daquela categoria.

É assim que a existência do Estado Democrático de Direito só é possível em democracia representativa, porque só ela é capaz de equilibrar a “imanente tensão dialética entre democracia e Constituição, entre direitos fundamentais e soberania popular, entre Jurisdição Constitucional e legislador democrático, é o que alimenta e engrandece o Estado Democrático de Direito, tornando possível o seu desenvolvimento, no contexto de uma sociedade aberta e plural, baseado em princípios e valores fundamentais.”

Sempre que os povos são chamados a pronunciar-se através da democracia direta, designadamente através de um referendo popular, corre-se o risco sério de se cair na tirania da maioria.

O referendo que conduziu ao Brexit é um excelente exemplo de como o destino de uma Nação pode ser capturado por uma maioria conjuntural que votou sem qualquer consciência das consequências do seu voto, mas sujeitando todos às previsíveis consequências. 
É bem verdade que “o facto de a maioria estar com a razão é mera casualidade” que, neste caso, não aconteceu.

O que determinou o voto dos Britânicos foi a birra contra a austeridade instituída pelo governo do Sr. Cameron. 
O voto teve pouco a ver com a ideia – totalmente falsa – de que a União Europeia fosse uma força opressora que limitava a prosperidade insular.

Ao longo de dois anos, os resultados desse voto desinformado causaram os efeitos matematicamente previsíveis no momento do referendo: a saída da União Europeia do Reino Unido excluía-o automaticamente dos benefícios da integração no mercado único, que os Britânicos não querem perder, ou sujeitava-os a uma situação de meros espetadores da formação das causas das consequências que lhes acontecerão.

Quando a fantasia embate na realidade, as consequências são normalmente funestas.

Os brexiteers fizeram campanha com o argumento de que o Reino Unido poderia manter a maior parte das vantagens derivadas do mercado único (livre circulação de bens e serviços) sem pagar as suas contribuições para a União e sem se sujeitar às regras comuns. Em contrapartida. poderia negociar acordos de livre-comércio com quem melhor entendesse no resto do mundo.

Do lado da União, a ideia de dar aos Britânicos um tal acordo não passava pela cabeça de ninguém: se o RU saísse nessas condições altamente vantajosas, porque é que outros não lhe seguiriam o exemplo? As negociações conduziram, assim, a um estreito beco: ou o RU sai sem acordo, com consequências catastróficas, ou sai com um acordo que significa manter-se no mercado único, com todas as suas regras e contribuições, mas sem voz ativa na formação dessas regras. A isto houve quem chamasse “soft Brexit” ou, mais sarcasticamente, “hard remain”.

É este acordo que os brexiteers mais radicais apelidam de vassalagem. No entanto, isto era o que estava escrito nas estrelas, uma vez que o RU, nesta negociação, é a parte fraca e não tem capacidade impositiva face à UE. A teoria da destruição mútua, aqui, não funciona: os Britânicos têm muito mais a perder que o resto dos Europeus…

E é assim que por virtude de um voto popular ocorrido há dois anos, o Reino Unido está lançado no mais completo caos e a situação só pode piorar…

Que lições podem ser extraídas desta débâcle?

Em primeiro lugar, que as elites democráticas não podem demitir-se das suas responsabilidades e remeter para a população desinformada decisões cruciais para o futuro de um país. Alguém imagina que Churchill, em 1940, pudesse ter encarado um referendo sobre a continuação da guerra com a Alemanha nazi? É ou não é uma responsabilidade imanente às elites democráticas a de liderar e iluminar os caminhos, mesmo, e sobretudo, quando são difíceis?

Em segundo lugar, que a democracia representativa é essencial à boa tomada de decisões e que é nos parlamentos democraticamente eleitos que essas decisões devem ser tomadas por quem tem todos os dados para poder decidir, e não de forma tumultuária e acometida de paixões violentas.

Em terceiro lugar, que é essencial para que assim seja que os representantes eleitos sejam vistos como legítimos detentores do poder de decidir, e não meras correias de transmissão dos diretórios partidários, tantas e tantas vezes acorrentados a interesses estreitos e setoriais.

A minha conclusão é simples: ou os parlamentos – e, entre todos, o nosso – reforçam a sua representatividade democrática e a sua ligação aos cidadãos eleitores, ou progressivamente veremos o espaço público poluído por pulsões populistas e paixões violentas expressas através de maiorias conjunturais. Repetindo, “o facto de estas maiorias estarem com a razão é mera casualidade”…

João Luís MOTA CAMPOS
Advogado, ex-secretário de Estado da Justiça
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA: artigo publicado no jornal i.


quarta-feira, 21 de novembro de 2018

As virtudes da democracia

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Henrique Neto, saído hoje no jornal i.
Portugal é hoje um país doente, governado por impulsos de curto prazo, em que a grande preocupação é a conquista e a preservação do poder, afastados da realidade política e económica, nacional e internacional, ou de uma estratégia de desenvolvimento, que, aliás, verdadeiramente nunca existiu.


As virtudes da democracia

Nestes textos semanais, os subscritores do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade” têm defendido a democratização do regime político e a reforma das leis eleitorais, mas escrito menos acerca das consequências negativas, quer políticas quer económicas, resultantes da inexistência de verdadeiros órgãos democráticos de fiscalização dos governos, o que permitiu a governamentalização do regime – o que resulta do seguidismo partidário e da falta de qualidade e de independência dos deputados escolhidos para a Assembleia da República, qualidade que tem piorado com o tempo e por força do crescente sentimento de impunidade da classe política.
Ou seja, a vitória da fidelidade ao chefe e do conformismo à custa da competência e do mérito tornou-se uma forte característica do regime político português, consequência que se esperaria do critério usado na escolha dos representantes do povo por meios autocráticos das direções partidárias, em que os objetivos de poder dos partidos se sobrepõem ao interesse nacional. Já aqui escrevi que se trata de um modelo em que os chefes escolhem os índios de maior confiança e os índios, agradecidos, “elegem” o chefe, sem que os eleitores tenham qualquer poder na escolha dos deputados.

Também, como seria de esperar, centralizar todo o poder político no topo dos partidos, à custa da liberdade e do poder de intervenção política e social dos cidadãos e das instituições da sociedade, é o resultado da falta de competência e de seriedade, ética e política, dos escolhidos pelos partidos para governar Portugal, com a consequência lógica do crescimento da corrupção. Há, naturalmente, exceções, mas que não alteram a realidade do atraso crescente de Portugal relativamente à generalidade dos outros países da União Europeia, com sistemas eleitorais democráticos.

Assim, apesar de todas as promessas feitas e das bem-aventuranças prometidas pelos partidos políticos, Portugal é hoje um país doente, governado por impulsos de curto prazo, em que a grande preocupação é a conquista e a preservação do poder, afastados da realidade política e económica, nacional e internacional, ou de uma estratégia de desenvolvimento, que, aliás, verdadeiramente nunca existiu. O que existe é a incapacidade dos governos de prever e de antever o futuro, para centrar toda a sua atenção e recursos na conjuntura.

Não surpreende, portanto, que Portugal continue a afastar-se dos restantes países da União Europeia. Sobre isso, cito o prof. Nuno Garoupa: “Se os números não estiverem completamente errados, Portugal terá sido ultrapassado em 2018 pelos países do Alargamento. República Checa, Eslovénia, Eslováquia, repúblicas bálticas têm agora um rendimento per capita superior ao português . Não tinham há 15 anos. E eram países significativamente mais atrasados que Portugal há 30 anos. Mas as más notícias não param. Portugal desceu de 84% em 1999 para 78% do rendimento per capita europeu em 2018. Portugal está hoje mais distante da média europeia do que em 1999. E ainda há mais. Olhando os países que ainda estão atrás de Portugal em 2018, se as trajetórias de crescimento não forem significativamente alteradas, Croácia, Hungria e Polónia ultrapassarão Portugal na próxima década. Quer isso dizer que, dentro de dez anos, com enorme probabilidade, apenas a Bulgária e a Roménia serão mais pobres que Portugal. E veremos o caso grego.”
Não se trata de um acaso e, para compreender melhor algumas causas económicas do nosso atraso, bastará atentar em alguns dos erros que os governos portugueses cometeram ao longo dos anos e comparar com o que fizeram os outros países que previram a evolução futura da Europa e do mundo. Por exemplo:

– Desperdiçámos a oportunidade de ter uma estratégia euro-atlântica, de acordo com a nossa posição geográfica, a nossa história e a nossa experiência universalista;

– Privilegiámos os produtos e bens não transacionáveis à custa dos transacionáveis. Ler a este respeito o que escreveu em livro o economista Vítor Bento;

– Os governos desenvolveram uma logística interna – autoestradas – e privilegiaram o mercado interno à custa da logística externa – marítima e ferroviária – e das exportações;

– Quando toda a Europa apostou na ferrovia e no uso de energias renováveis nos transportes, os governos portugueses apostaram na rodovia e nas energias de origem fóssil;

– Sucessivos governos privilegiaram o transporte individual e desleixaram o transporte coletivo;

– Na educação, em vez de exigência, os governos escolheram o facilitismo, em detrimento de uma sólida formação de base – creches e pré-escolar –; privilegiaram o topo – ensino universitário – e, infelizmente, sem quaisquer critérios de empregabilidade. Como resultado, formámos jovens para o desemprego e para a emigração.

Em resumo, podemos dizer que aquilo que os governos portugueses fizeram é o contrário do que os outros países europeus andaram a fazer. De facto, os governos portugueses teriam acertado se tivessem feito o contrário do que fizeram e Portugal seria hoje um país diferente.

A nossa convicção é a de que tudo teria sido melhor se os portugueses tivessem escolhido os seus representantes de entre os cidadãos que conhecem e merecem a sua confiança. Infelizmente, não foi isso que aconteceu e os escolhidos pelas direções partidárias não têm sido suficientemente sérios, suficientemente competentes e suficientemente dedicados ao bem público para fazerem as escolhas que, estou certo, resultariam do debate democrático.

Com toda a probabilidade, teríamos tido governos e primeiros-ministros com maior visão estratégica, mais sérios e mais competentes do que tivemos. Na realidade, tivemos governantes que, sendo sérios, não eram competentes e outros que, sendo competentes, não eram sérios.

Repito para que não esqueçamos: se as regras eleitorais portuguesas fossem verdadeiramente democráticas, em que os eleitores escolhessem livremente os seus representantes, as virtudes do debate democrático teriam conduzido a melhores governantes e teriam sido evitados muitos erros e desperdícios Além disso, com melhores deputados e melhores governantes, teria sido evitada muita da corrupção que está a destruir a democracia portuguesa.

Termino com a pergunta: porque será que nenhum dos partidos sentados na Assembleia da República aceita rever as leis eleitorais?
Henrique NETO
Empresário
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

NOTA: artigo publicado no jornal i.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Reformas com sentido: o caso da formação e da educação

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de José António Girão, hoje saído no jornal i.
Existe uma acentuada distorção entre oferta e procura no mercado do emprego. A legião de licenciados nos call centers e caixas de supermercado é uma prova inequívoca disso.


Reformas com sentido: o caso da formação e da educação 
É de há muito sabido e geralmente aceite que a economia portuguesa sofre de um conjunto de desequilíbrios significativos, resultantes de debilidades estruturais que têm de ser analisadas conjuntamente e objeto de políticas concertadas, como via indispensável à resolução dos mesmos e forma de conseguir um desenvolvimento sustentável. Em síntese, trata-se de uma estratégia que tenha em consideração a dependência entre desenvolvimento económico e as alterações necessárias na esfera sociopolítica. Estas situam-se ao nível das instituições e determinam a qualidade da governança, as quais são tanto mais importantes quanto menor o nível de desenvolvimento do país.

Se outras razões não houvesse, reside aqui uma das motivações subjacentes ao “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade” e da iniciativa de um grupo de cidadãos para que seja institucionalizada a existência de círculos uninominais e tornar possível a eleição de deputados diretamente escolhidos pelo voto individual dos cidadãos, em lugar de por diretórios dos partidos, como atualmente.

Retomando a questão das debilidades estruturais, uma das mais determinantes é a estrutura produtiva e seu impacto na competitividade. Neste domínio convém ter presente a teoria de Porter das três etapas do desenvolvimento. Na primeira, os países competem com produtos de baixo valor acrescentado, i.e., incorporando basicamente fatores produtivos primários ou rudimentares. A segunda fase é a da eficiência, resultante e tornada possível pela apropriada formação e valorização do fator trabalho, por forma a permitir a eficaz utilização da tecnologia e das economias de escala. Por último, a terceira fase é a da inovação, em que o conhecimento é o fator decisivo, gerador de atividades de alto valor acrescentado. Nesta fase, os agentes criativos, que detetam novas oportunidades de negócio (empreendedorismo), substituem tipicamente os empresários das empresas tradicionais de base tecnológica.

Esta reflexão é particularmente relevante se tivermos em conta as baixas qualificações da população portuguesa. Estima-se em cerca de 50% a proporção da população entre os 25 e os 64 anos com instrução somente ao nível de nove anos de escolaridade (na UE, essa proporção é apenas de 25%). Do mesmo modo, a taxa de abandono precoce da escolaridade (sem o 12.º ano) situa-se nos 12,6% (maior no sexo masculino e inferior no feminino), contra 10,6% na UE. Convém no entanto assinalar que, em larga medida, tal resulta de um ensino largamente desajustado das preferências e aptidões de uma parte significativa dos estudantes, que não revelam motivação e apetência para um ensino básico regular, predominantemente orientado para um ensino secundário como porta de entrada para um ensino superior de tipo universitário, em que a dimensão vocacional e profissionalizante está largamente ausente.

Urge, pois, alterar a presente situação, em grande parte resultante da preocupação (legítima), sentida no pós-25 de Abril, de eliminar a margem de discriminação social associada ao ensino técnico, resultante da reforma educativa de 1947-48. A questão do acesso ao ensino superior passou, assim, a ser entendida como uma condição de igualdade de oportunidades. Contudo, as novas e atuais condições económicas e sociais tornam evidente a insuficiência quantitativa e qualitativa da formação profissional gerada pelo atual sistema educativo. Existe claramente uma acentuada distorção entre a oferta e a procura no mercado do emprego: as empresas não conseguem recrutar os profissionais de que necessitam; em contrapartida, há cursos para cujos diplomados não há procura. A legião de licenciados nos call centers e caixas de supermercados são prova inequívoca desse desajustamento.

Além da desmotivação que daqui resulta para a juventude, acresce a má afetação de recursos daí resultante, na medida em que o suposto investimento no sistema educativo não conduz a uma taxa de retorno que o justifique. Impõe-se, assim, a reforma do sistema educativo atual, prestigiando a componente profissionalizante do ensino, tornando-a atrativa aos gostos e apetências dos estudantes e mais valiosa, porque devidamente articulada com as necessidades do mercado de trabalho; simultaneamente, deverá oferecer possibilidades reais de evolução efetiva para outras níveis e vias de ensino.

Em matéria de políticas públicas no âmbito da educação, face às necessidades decorrentes da inovação e desenvolvimento económico, convém igualmente ter em mente as que decorrem das profundas alterações a que estamos a assistir e que se acentuarão ainda mais no futuro, nomeadamente nos domínios das tecnologias da informação e plataformas digitais e suas implicações ao nível das diferentes profissões e competências. Parece, pois, oportuno começar a pensar nas consequências que daí decorrem a nível formativo.

Com efeito, não parece ousado pensar que a prática profissional no futuro comporte exigências e competências em certos domínios específicos, independentemente da área profissional de exercício, dando origem a novas áreas de especialização. É o caso da informática e análise de grandes bancos de dados (big data mining), que poderão vir a integrar diferentes especializações, ou áreas de competência novas, com evidentes repercussões a nível curricular. Por exemplo, poderemos vir a assistir a que os curricula dos diferentes cursos deixem de ter o formato que hoje conhecemos e em seu lugar surjam cursos tailor made de acordo com os interesses, vocação e aptidões dos alunos, disponibilizando as universidades não as licenciaturas “tradicionais “ que conhecemos, mas um conjunto de módulos de disciplinas nas diferentes áreas científicas, de entre os quais o aluno selecionará cinco ou seis (no respeito pelas correspondentes condições de acesso) por forma a adquirir o perfil e competências do seu agrado. Seria, assim, possível que certos domínios da informática passassem a integrar a formação de médicos, engenheiros e economistas (por exemplo) e que certos domínios da formação destes profissionais passassem igualmente a fazer parte de certas áreas da formação em ciências comportamentais e de âmbito social.

Se a inteligência artificial (IA) é parte do mundo novo que antevemos, convém não esquecer que é a inteligência que tem ditado o progresso da humanidade e que, artificial ou não, ela terá de continuar a estar ao serviço da humanidade e a ter em conta a dimensão e diversidade humana... Estamos em crer que será mais útil e eficaz o governo preocupar-se com toda esta problemática do que ocupar-se em reduzir propinas de forma indiscriminada ou tentar, através de quotas, afetar a distribuição dos estudantes. Afigura-se preferível que se centre na promoção da atividade regional, por forma a conseguir uma melhoria da sua oferta, incluindo a formativa/educativa, sem impor limitações à atuação das regiões do litoral, as quais importa igualmente continuar a valorizar, no quadro da competição global, com vista ao seu desenvolvimento.

José António GIRÃO
Professor da FE/UNL
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade


quarta-feira, 7 de novembro de 2018

O arrendamento habitacional em Portugal face ao absurdo

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, hoje saído no jornal i.
O que se passou nos últimos três anos é uma verdadeira “dança do absurdo”, de que a recente demissão de Helena Roseta é apenas a cereja no topo do bolo. 
 
O arrendamento habitacional em Portugal face ao absurdo
A promoção da habitação para as famílias tem sido uma das preocupações da agenda mediática da atual solução governativa. E, tendo Portugal neste momento uma baixíssima taxa de poupança, inferior a 5% e atingindo um mínimo histórico, faria todo o sentido que o governo promovesse o investimento das poupanças na construção e reabilitação de habitações para alugar, e sem necessidade de recurso à intermediação bancária. Todavia, o que se passou nos últimos três anos é uma verdadeira “dança do absurdo”, de que a recente demissão da arquiteta Helena Roseta é apenas a “cereja no topo do bolo”.

Vejamos os principais episódios desta tragicomédia ainda em cena:

Logo em 2016 surgiu o famigerado “Imposto Mortágua”. Um claro imposto de confisco que penaliza discriminatoriamente quem colocou as suas poupanças para dar habitação a famílias portuguesas! Mesmo que estas estejam alugadas por rendas baixíssimas e congeladas por lei, como por exemplo um T4 nas Avenidas Novas por 170 Euros mensais!

Mas se o imóvel estiver alugado para bar de alterne, então já não paga o Imposto Mortágua. E aqui o absurdo atinge o insulto à inteligência de qualquer pessoa bem formada!

Também em 2016 foi decidido eliminar o subsídio de renda a atribuir aos inquilinos com carências económicas para estes poderem pagar a “renda acessível” que havia sido definida pelo próprio governo. Ou seja, os proprietários são condenados a continuarem a receber apenas rendas ridiculamente baixas e a substituírem-se à Segurança Social…

Face a tamanhos absurdos, o próprio Fernando Medina facultou em 2018 um desconto no IMI em Lisboa às casas arrendadas para habitação, dando assim um ligeiro alívio fiscal às vítimas do Imposto Mortágua.

Mas agora, com a terceira e última prestação do IMI para pagar, verifica-se que mais de metade dos proprietários a quem a CML já confirmou este desconto, nada beneficiaram porque a Autoridade Tributária alega não ter tido tempo para o processar. Mais uma vez a arbitrariedade da máquina fiscal a triturar os contribuintes.

Entretanto, para tentar dissimular esta verdadeira perseguição, a secretária de Estado da Habitação começou a anunciar incentivos fiscais para quem fizesse novos arrendamentos por prazos mais longos. Pois é, o leitor leu bem. Quem recebe rendas ridículas por contratos vitalícios, tem que pagar o Imposto Mortágua, mas queriam agora convencer os novos investidores a porem o seu dinheiro em casas para arrendar.

Mas o absurdo não acaba aqui. Como não houve acordo entre os partidos da geringonça, mesmo estes incentivos ficaram sem efeito. Terá sido isto que terá provocado a recente demissão de Helena Roseta do Grupo de Trabalho da Habitação.

Mas o esbulho contra os investidores em habitação continua; e foi determinado em 2018 que os contratos de arrendamento livremente assinados entre as partes para terem prazo certo, fossem prolongados arbitrariamente até março de 2019. Depois, com eleições à porta, a coisa será certamente prolongada por tempo indefinido.

Em termos constitucionais, é legítimo perguntar como é que o Presidente da República, ilustre jurista, consegue pactuar com estes atropelos flagrantes ao direito de propriedade e com a interferência arbitrária do Estado na livre contratação entre entidades privadas.

Com tudo isto, como é evidente, o investimento privado para aluguer de habitação a longo prazo está em mínimos históricos. E as jovens famílias são as grandes vítimas dum “mercado” em que é o próprio Estado a impedir que o aumento da oferta se verifique. E consequentemente os poucos que ainda investem têm que se precaver nos novos arrendamentos dos brutais riscos políticos que correm, criando-se assim um círculo vicioso que a todos prejudica. É a destruição programada da economia social de mercado.

Situações absurdas como esta são incompatíveis com uma Democracia de Qualidade. Porque impedem as poupanças dos portugueses de serem investidas em Portugal. E explicam porque é que países como a Polónia, que quando da queda do comunismo tinham rendimentos per capita de menos de metade do dos portugueses, nos irão ultrapassar já em 2019!

Por isso, convidamos o leitor a assinar a petição http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=voto-cidadania, a fim de que os eleitores possam ter uma palavra na escolha personalizada dos deputados à Assembleia da República, assim melhorando a qualidade da nossa democracia.

Clemente PEDRO NUNES
Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade

NOTA: artigo publicado no jornal i.