quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Multiculturalismo: refrescar ideias


O multiculturalismo tem feito correr rios de tinta nos últimos anos, em particular na Europa. De tema obrigatório tornou-se quase um assunto maldito. Multiculturalismo, sim ou não? Possível ou impossível? Utopia ou realidade? Positivo ou negativo? A implementar ou a abandonar?

Para as visões negativas muito contribuíram os manifestos fracassos das políticas dirigidas nesse sentido nalguns dos maiores países europeus, com eclosão frequente de choques e tensões com comunidades emigrantes. Alemanha, França, Bélgica, até a Holanda, militam entre os maus exemplos. O Reino Unido enfrenta problemas agudos em muitas cidades. Espanha e Itália não escapam; e sinais negativos aparecem igualmente na Dinamarca e noutros países escandinavos. 

O optimismo multi-étnico e multicultural foi dando lugar ao pessimismo mais sombrio. Passou-se praticamente do politicamente correcto ao tabu.

Penso que, na verdade, existia (e mantém-se nalguns círculos) demasiado angelismo, superficialidade e simplificação na pregação multiculturalista que abundou. É a ilusão que sempre antecede a desilusão.

Mas a abertura aos outros e a capacidade de construir sociedades de pluralidade e integração são propósitos que sempre me atraíram. É o que aprendi a cultivar na maneira de ser dos portugueses, conforme me foi ensinada e a assimilei.

Por isso, para refrescar convicções no multiculturalismo, voltar a Macau faz sempre bem. Aqui convivem, cruzam-se e trabalham, todos os dias, centenas de milhar de pessoas de todas as partes: chineses de muitos lugares, portugueses, ingleses e outros europeus mais raros, indonésios, filipinos, malaios, vietnamitas, indianos, paquistaneses, mongóis, brasileiros, cabo-verdeanos, angolanos, americanos e australianos, japoneses, coreanos, tailandeses, cingaleses, indianos, paquistaneses, qataris, e eu sei lá mais quem, com - naturalmente - mestiços de todas as sortes. Cultos religiosos há-os igualmente vários; e os costumes transparecem diferentes, na maneira de vestir e de comer.

A índole especial dos portugueses, que administraram Macau desde o século XVI até 1999, terá alguma coisa a ver com isto. Mas há seguramente outros factores, pois Hong Kong não é muito diferente neste aspecto e há outros lugares assim por estas bandas da Ásia. Um factor que me ocorreu é a circunstância de se tratar de um território em que a autoridade política nunca quis impor-se e sobrepor-se à maioria cultural; e em que, simultaneamente, a maioria étnica e cultural aceitou essa autoridade política estranha. Outro factor tem a ver com o próprio fervilhar de culturas, etnias e religiões que caracteriza estes mares e terras no sul da Ásia. O Mediterrâneo é pequeno quando comparado com este espaço que vai das costas da Índia e da Indochina à península da Coreia e, a sul, à Austrália.

Disso se faz o multiculturalismo: diferenças que entre si todas se aceitam e se habituam. A coisa é tão forte que se torna ela própria uma identidade. Por isso, não há crise de identidade: cada um tem a sua e todos têm a de todos.

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