quarta-feira, 8 de abril de 2015

A grande degenerescência

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de João Luís Mota Campos, hoje saído no jornal i.

A “democracia” em que vivemos é um sistema ecológico complexo e interdependente: as instituições que a fundamentam determinam, mais do que o clima ou a geografia, os resultados alcançados. É por isso que neste Estado estacionário em que vivemos, caracterizado por um sistema social regressivo e pela capacidade das elites de capturarem em seu benefício o sistema legal e a administração pública, é essencial assegurar que, ao menos, as instituições instrumentais da democracia funcionem de forma adequada.

A grande degenerescência 

Niall Ferguson, um historiador económico e pensador político inglês, escreveu um livro em 2012, cuja tradução em português seria “A Grande Degenerescência”, que basicamente sustenta a tese de que os países ocidentais atingiram um estádio de “Estados estacionários”.

Ele explica-nos o que é um Estado estacionário: trata-se da condição em que se encontra um país que já foi próspero quando pára de crescer.

As suas características são o carácter social regressivo e a capacidade de elites corruptas e monopolistas de explorarem o sistema legal e a administração pública em seu favor. 
Vivemos, de facto, num “Estado estacionário” cujas leis e instituições degeneraram ao ponto de permitir que elites rentistas dominem o processo económico e político, e em que a sociedade civil vacila entre um Estado incapaz e demasiado grande e interesses corporativos poderosos.

Temos assistido a dois fenómenos convergentes que são, por um lado, a progressiva diminuição da capacidade do Estado para controlar os poderes privados, muito por via daquilo a que chamamos globalização, e, por outro lado, a emergência de uma desigualdade social crescente, em que elites poderosas que capturaram o Estado enriquecem cada vez mais e se distanciam progressivamente da massa da população, que labuta para comer.

É muito de notar que um número importante de pensadores modernos se dedicam cada vez mais ao estudo e análise da questão da desigualdade.

Todos eles concordam que a desigualdade excessiva está moralmente errada e é economicamente errada por ser prejudicial ao crescimento económico.

Não são só pensadores e economistas de esquerda, como Thomas Piketty, ou de centro-esquerda, como Paul Krugman ou Joseph Stiglitz. Também, como referi, pensadores liberais e de centro, como Niall Ferguson, se preocupam cada vez mais com este tema que, provavelmente, será a nova fronteira da democracia ocidental.

Esta falência do sistema democrático, esta incapacidade do Estado liberal de direito para resolver de forma justa os conflitos de interesses dos seus vários extractos sociais, resulta de uma falência institucional e da forma como determinadas elites rentistas capturaram em seu benefício as instituições do Estado.

É de uma falência institucional que se trata.

A “democracia” em que vivemos é um sistema ecológico complexo e interdependente: as instituições que a fundamentam determinam, mais do que o clima ou a geografia, os resultados alcançados. É por isso que neste Estado estacionário em que vivemos, caracterizado por um sistema social regressivo e pela capacidade das elites de capturarem em seu benefício o sistema legal e a administração pública, é essencial assegurar que, ao menos, as instituições instrumentais da democracia funcionem de forma adequada.

Quando falamos em democracia, estamos a falar de um conjunto interdependente de instituições que incluem cidadãos a pôr o seu boletim de voto na urna, claro, e candidatos a fazer comícios e debates, bem entendido;

Mas, tão importante como isto, são as formas de escolha dos candidatos: quando a escolha se transforma no apanágio exclusivo dos partidos políticos;

Quando os partidos políticos convergem todos para um “consenso” político-económico em que os cidadãos saem da equação e são substituídos por abstracções como o défice ou a dívida pública – e notem que são abstracções muito importantes, mas apenas porque são importantes para o bem-estar da sociedade, e não porque sejam fundamentais para o bem-estar dos mercados financeiros;

Quando os Estados escolhem aumentar brutalmente os impostos sobre o trabalho e reduzir na mesma proporção os impostos sobre os lucros empresariais, e todos os partidos políticos do “arco da governação” convergem na concordância com estas medidas;

Podemos ter por seguro que as escolhas de candidatos são retiradas por inteiro do âmbito da sociedade civil, que esses candidatos deveriam representar, e passam na íntegra para o âmbito muito restrito de directórios partidários enfeudados e controlados por poderes instituídos, que ninguém elegeu e ninguém controla.

Para quem tenha dúvidas de que é assim, basta observar o que se passou, ao longo de muitos anos, com grupos empresariais como o Espírito Santo, que controlava empresas como a PT, interligava os seus interesses com os do banco público Caixa Geral de Depósitos, punha a sua gente no governo e controlava a alta administração;

Ou os interesses rentistas do sector eléctrico que, em detrimento da capacidade competitiva nacional, mantêm integralmente e de forma férrea uma estrutura de protecção pública e um permanente jorrar de dinheiros públicos – nossos – em seu benefício.

Vejam como grandes grupos empresariais manipularam o Estado em seu benefício, comprometendo as finanças públicas por décadas em parcerias público-privadas altamente detrimentais do interesse público. E não pararam! Continuam e somam alegrias…

Tudo isto apesar das melhores intenções do actual governo e das juras de reforma que foram feitas aos nossos credores externos.

Dá que pensar… Esta matéria é transversal a todos os governos de Portugal, quer se proclamem socialistas, quer se proclamem social-democratas ou democratas cristãos.

E dá que pensar que, cada vez que se procura aumentar a capacidade competitiva da economia portuguesa, se pense, antes do mais, na desvalorização nominal de rendimentos e salários de quem trabalha, no aumento da TSU, e nunca, ou só em última análise, na redução desses benefícios extravagantes e ilegítimos.

Eu não sou de esquerda. Sou um cidadão português empenhado no bem público e verifico que a forma de escolha dos nossos representantes na esfera política alguma coisa há-de ter que ver com o resultado da acção do Estado português. É por isso que sufrago e defendo uma mudança, se não estrutural, ao menos parcial da forma de escolha dos deputados da República, que possa permitir à sociedade civil aceder a alguma capacidade de influenciar as escolhas. É disso que trata o Manifesto por uma Democracia de Qualidade.

Propomos manter os equilíbrios fundamentais do sistema partidário, manter a proporcionalidade na escolha, garantir que os partidos políticos, que são essenciais à democracia, mantêm uma boa parte dos seus privilégios institucionais, mas insistimos que a capacidade de escolha dos cidadãos seja alargada, que os candidatos possam ser joeirados pelos eleitores e até, atrevo-me a dizer, que candidatos independentes se possam candidatar à eleição em círculos uninominais.

Não é nenhuma revolução que propomos, é uma mera adaptação de um sistema que, há 40 anos, parecia bom, mas hoje está caduco, sobre o qual já foram feitas inúmeras discussões e havendo múltiplos estudos. Só falta mesmo MUDAR.

João Luís MOTA CAMPOS

PMCM - Advogados



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