quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

A União Europeia à beira do abismo

Um artigo que publico, hoje, no jornal PÚBLICO, num momento bem inquietante e muito complexo da Europa.


A União Europeia à beira do abismo

Há um mês apenas, entre 7 e 9 de Janeiro, viveu-se o horror em Paris. Foi o massacre no Charlie Hebdo, seguido de dois dias de caça ao homem e do atentado ao supermercado judeu. O terrorismo voltou a ferir o coração da Europa. As ruas encheram-se de indignação e de protesto. De solidariedade imensa, que convergiu de todo o mundo para Paris, naquele domingo 11 de Janeiro, que pareceu inesquecível e inapagável.
Dir-se-ia que o terrorismo iria marcar a actualidade europeia e centrar todas as atenções. A sua brutalidade e frieza, a memória de atentados anteriores em Londres e em Madrid (para lembrarmos só os europeus), a cobardia velhaca com que ataca, a ameaça global que constitui, o contexto temível do fundamentalismo islâmico que não cessa de agravar-se – tudo apontava para que o terrorismo centrasse todas as atenções.
E, na verdade, logo se anunciou que a próxima Cimeira Europeia – o Conselho Europeu de 12 e 13 de Fevereiro – seria dedicado ao terrorismo e que outra Cimeira mundial ocorreria em Washington, em 18 de Fevereiro. Bem seriam precisas. E oportunas.

A realidade, porém, cavalgou mais depressa. A vitória do Syriza nas eleições gregas de 25 de Janeiro colocou de novo o euro na linha de mira e a questão da Grécia e da dívida outra vez no centro da agenda. Sucederam-se os telefonemas, as viagens, os contactos, as medidas e contra-medidas, os blogues e os tweets, os comentários e as especulações, os mentidos e os desmentidos, os jogos e os contra-jogos – a incerteza cresceu. Por estes dias próximos, as salas do eurogrupo e a sua ansiedade parecem já ter suplantado a agenda contra o terrorismo.
Na mesma altura, o agravamento assinalável da crise na Ucrânia, com a persistência e o crescimento do desafio da Rússia, incentivando o separatismo, abocanhando pedaços do território do vizinho e pondo em causa toda a ordem internacional, puseram-nos mais perto de uma crise militar clássica. Terrível! Já lá vão 5 mil mortos; e pode ser muito pior.
A senhora Mogherini logo convocou uma reunião de emergência dos ministros de Negócios Estrangeiros da União Europeia sobre a crise ucraniana, para 29 de Janeiro. Por coincidência, a reunião que, antes, fora pensada como preparatória da planeada cimeira anti-terrorista de 12 e 13 de Fevereiro. E, por coincidência também, uma reunião em que logo se cruzaram os novos sinais da agenda grega com os sopros do vento Leste, como se uma e outro se pudessem cruzar já, num cocktail de consequências que ninguém quer prever.
A seguir, enquanto ouvíamos as declarações dramáticas do Presidente Poroshenko, vimos uma cimeira em Moscovo com Putin. Quem lá estava? Tusk? Juncker? Mogherini? Não. Foram Angela Merkel e François Hollande. A U.E. existe? 
Centremo-nos, porém, no fundamental, que é o de conseguirem ter êxito, em representação sem dúvida de todos os europeus. Tê-lo-ão? Estiveram em Kiev e em Moscovo. Entretanto, Washington andou aí; e Merkel por lá também. Avançou-se? Merkel e Hollande estarão de novo em Minsk. Evitar-se-á o que já se diz poder ser a “guerra total”?
No meio disto, domingo passado, prosseguindo a sua agenda nacionalista e reafirmando a linha aparentemente mais dura, o novo primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, anuncia o programa de governo diante do Parlamento grego e puxa do canivete reclamando 162 mil milhões de euros à Alemanha por indemnizações pela ocupação nazi. 


O tempo mediático acelerado em que vivemos provoca uma tremenda erosão das notícias e da actualidade. Parece que nada dura; e que tudo é superficial e passageiro. Mas distrai-nos também dos perigos em que vivemos. Quem diria que, apenas um mês depois, a pavorosa tragédia do Charlie Hebdo já estaria sepultada debaixo de outras inquietações? E estará? Estará mesmo sepultada? Ou apenas dormente?
Na correria dos acontecimentos destes dias, na voragem dos telejornais e dos tweets, não nos damos conta de que estas três frentes questionam directamente os três fundamentos da União Europeia, desafiam-nos frontalmente e colocam-nos à beira do abismo. 
A guerra da Ucrânia e a crise perigosíssima com a Rússia ameaçam-nos a paz, que é o fundamento maior do projecto europeu. Desde 1945, é preciso voltarmos às memórias da crise de Berlim ou da crise dos mísseis, para lembrarmos outra altura em que, como agora, a paz tenha estado tão perto de poder acabar.
A crise do euro e as questões da dívida, de novo reacendidas com a vertigem grega, questionam o segundo fundamento do projecto europeu: integração económica, prosperidade, coesão, bem-estar. 
E o terrorismo ataca e fere violentamente o terceiro fundamento da construção europeia – a liberdade e a democracia, a segurança e o Estado de direito –, ao mesmo tempo que, pelos extremismos que alimenta ou pelos excessos securitários que convoca, cava a sua erosão.
Desde o Charlie Hebdo e do HyperCacher, é este o saldo do mês de Janeiro europeu. Não é coisa pouca. A paz, a prosperidade e a liberdade na linha de fogo – os três pilares europeus no fio da navalha. A coesão e a solidariedade postas à prova em ponto de desafio-limite – os dois cimentos sob teste decisivo. E, diante disto, o que nos dizem os líderes europeus? O que nos contam os deputados europeus? O que nos garantem os chefes dos Executivos? O que nos animam os líderes das instituições?


Nos últimos anos, releio, volta e meia, os Preâmbulos dos dois tratados europeus. Está lá o fundamental. Quantos líderes europeus acreditam nisso? E quantos fazem por isso? 
Neste Conselho Europeu, gostava que relessem em voz alta os dois Preâmbulos. E os decorassem todos outra vez. De Merkel a Tsipras, de Stubb a Renzi, de Cameron a Victor Ponta, de Enda Kenny a Orbán, de Rutte a Hollande.
Podemos continuar à beira do abismo sem nele nunca cair. Mas o melhor é afastarmo-nos do abismo. E retomar a estrada que faz a Europa terra de paz, de liberdade e bem-estar.
José RIBEIRO E CASTRO
Deputado do CDS-PP
Vice-Presidente da Comissão de Assuntos Europeus

4 comentários:

Anónimo disse...

Só agora é que JReC descobriu que na UE quem manda é Merkollande? Não acredito.

Eu até era capaz de ler os tais preambulos, mas visto que os tratados não foram sufragados, eu não os irei legitimar... Colaboracionista!

Anónimo disse...

Só agora é que JReC descobriu que quem manda na UE é Merkollande? Não acredito.

Até era capaz de ler os tais preambulos, mas visto que os tratados não foram sufragados, recuso-me a legitimá-los... Colaboracionista!

José Ribeiro e Castro disse...

Exm.º Senhor Raphael Hythlodeu,

Já lhe disse noutro lugar e repito aqui que é um sinal de enorme cobardia esconder-se atrás de um pseudónimo para deixar os seus comentários.

Afinal, tem medo de quê?! Ou será apenas vergonha?

A coisa é ainda mais deplorável quando se acoberta no anonimato para desferir ataques e debitar besteiras.

E a coisa, enfim, fica ainda mais deplorável - e até um bocadinho doente - quando escolheu um pseudónimo tão idiota e tão carregado de prosápia quanto o nome do viajante da "Utopia".

Sugiro-lhe um outro mais original. Por exemplo, e-Quim ou e-Manel. Ou ainda Billy the Kid, o pistoleiro da blogosfera. Qualquer destes, ao menos, revelariam alguma originalidade e não apenas medo e tortuosidade.

João Luis Mota Campos disse...

Meu caro Zé,
excelente post! E muito oportuno. Assistimos a coisas que são profundas e vão marcar o futuro da União e da Europa no seu todo.
Qulaquer europeista se apercebe desde há anos da degenerescência do projecto europeu, enredado em technicalities e contas de dividir e subtrair. O único grande progresso desde a vaga de adesões dos «sul» foi o tratado de Maastricht, esse prenhe de problemas que muitos anteciparam e muitos mais se recusaram a discutir. Houve um «momento» em que tudo parecia possível, antes da reunificação da Alemanha. Esse momento passou. Hoje a Europa é um bando de pseudo-pragmáticos, cada vez maiks refens de opiniões públicas frustradas e nacionalistas, que não entendem nada do que está em causa e só olham para a espuma das coisas. Qualquer Putin parece ter mais poder do que a União, que é um colosso de pés de barro, ou como dizia alguem um pigmeu vestido de gigante.