segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A história da nossa crise: I - O que está lá fora


Com os números à frente é mais fácil ver aquilo que se esconde por trás da «crise internacional» e da «crise soberana».

Que estas ocorreram não há dúvidas: décadas de financiamento do Estado Social através do deficit público e de perda de competitividade em relação às economias emergentes levaram os países ocidentais a acumular um volume de dívida pública incompatível com finanças públicas sustentáveis. Ao mesmo tempo, os consumidores do Ocidente ganharam o hábito de financiar o seu consumo com recurso a crédito.

A crise começou, como todos sabemos, com a «crise do subprime» nos Estados Unido. Durante a década e meia a que se chamou os «roaring nineties» e que durou até 2006, os bancos americanos descobriram um método fácil de se financiarem e ganhar dinheiro: a securitização das hipotecas imobiliárias, vendidas em pacotes como qualquer futuro financeiro. 

Nessa década e meia, o preço do imobiliário não parou de subir, a média de crescimento económico andava pelos 3% do PIB e as expectativas eram excelentes. Milhões de pessoas no Ocidente acederam à propriedade de imóveis cujas expectativas de valorização permitiram financiar crédito adicional ao consumo. Muitas dessas pessoas só com grandes dificuldades poderiam fazer face aos encargos da divida no tempo das vacas gordas.

Quando a partir de 2005 as vacas emagreceram, os proprietários menos abonados ficaram abaixo da linha de água e começaram a incumprir as suas obrigações.

Os pacotes de hipotecas que tinham permitido aos bancos refinanciarem-se, vendendo-os sob a forma de produtos financeiros derivados, ficaram progressivamente inquinados com uma taxa crescente de incumprimento e não tardou que os bancos que detinham esses produtos que vendiam sob a forma de fundos financeiros se vissem obrigados a ficar com eles na “prateleira” e que, constatando que se tratava de “monos”, os tivessem começado a riscar dos seus balanços, acumulando perdas.

A coisa foi ganhando ímpeto e quando, em 2008, se deu por ela, tinha infectado todo o sistema financeiro internacional, ameaçando a sua sobrevivência. Como a moeda corrente do sistema financeiro se chama «confiança» e esta desapareceu dos mercados, o sistema financeiro internacional congelou. Congelou ele e, por via disso, também a economia real (não financeira, aquilo a que os Americanos chamam «Main street», por oposição a economia financeira - «Wall street»).

Os Estados viram-se subitamente forçados a fazer dois esforços, digamos que «keynesianos»: por um lado, acorrer às dificuldades do sistema financeiro, injectando-lhe dinheiro, a título de empréstimo temporário, ou, pura e simplesmente, nacionalizando bancos insolventes. A ideia era a de descongelar o crédito. Por outro lado, os Estados iniciaram programas de estímulo à economia com programas de investimento público e o incremento das redes dos chamados «estabilizadores automáticos», a despesa social.

Tudo estaria perfeito se os Estados ocidentais que fizeram isso não estivessem já endividados até à medula, ou seja, estruturalmente endividados e incapazes de se endividarem mais sem pôr em causa a sustentabilidade das suas finanças públicas.

A situação era de crédito escasso e de desconfiança dos mercados, mas a única forma de os Estados se financiarem era o recurso ao crédito. Por seu lado, os credores - os gigantescos fundos de pensões internacionais, os bancos globais e os fundos soberanos dos países excedentários - viram-se subitamente forçados a olhar com mais atenção para a capacidade de cumprimento das obrigações dos Estados que emitiam dívida. 

Não tardou que esses credores se refugiassem na compra de divida dos países mais sólidos, entre os quais a Alemanha. A partir desse momento crucial, 2008, os países menos sólidos (por terem perdido competitividade na década anterior, porque estavam já excessivamente endividados por terem um deficit estrutural (primário) muito elevado, por terem mercados de trabalho excessivamente rígidos, pelas mil e uma razões que levam alguns países a ficar para trás e outros a distanciarem-se) passaram a pagar um juro cada vez mais alto sobre as obrigações emitidas para financiar o deficit.

A partir daí, entraram num círculo vicioso: a divida excessiva determinou uma subida dos juros, a subida agravou o risco-país, o agravamento do risco determinou a subida dos juros… 

Foi este o momento de «glória» das célebres agências de notação, portadoras das más notícias do abaixamento dos «ratings» nacionais. Estes ratings são uma indicação ao mercado sobre a capacidade de crédito (creditworthiness) dos Estados e grandes empresas. O que eles diziam sobre Portugal e outros países é que emprestar-lhes dinheiro era correr um sério risco, como, aliás, se viu no caso Grego.

Considerando as condições subjacentes - deficit estrutural das finanças públicas, perda de competitividade do País, sujeição às constrições e choques assimétricos da zona Euro, crescimento descontrolado do Estado Social, incapacidade de reforma do Estado - o processo degenerativo em que entramos em 2008 levava-nos inevitavelmente, como uma seta, à necessidade de um resgate: as nossas finanças públicas tinham deixado de ser sustentáveis, a dívida pública tornou-se impossível de financiar por falta de crédito e de recursos próprios nacionais. Isto é, ninguém nos emprestava dinheiro; e todos os anos o Estado Português carece de milhares de milhões de euros para financiar o seu deficit, milhões esses que só existem fora do País.

Em suma: a crise internacional teve como principal consequência sobre nós o facto de ser um revelador das nossas fragilidades estruturais. Mas não foi ela a causadora dessas fragilidades.

Olhando para a nossa situação interna compreendemos melhor isso.

É o que faremos no próximo post.

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