segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A História da nossa crise: III - O apogeu do monstro



O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou trez vezes,
Voou trez vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-rei D. João Segundo!»

A resposta realmente está errada: quem ousou entrar nas cavernas por desvendar e nos tectos negros do fim do mundo do endividamento e do deficit foi António Guterres, o homem que conspirava nos sótãos do Rato e na respectiva capela.
Em Outubro de 1995 Guterres e os socialistas antecipavam um crescimento económico de 3% ao ano, em média, na década seguinte e basearam nisso a sua estratégia de conquista e manutenção do poder.
Ao longo dos seis anos de poder socialista, entre 1995 e 2002, a evolução dos números é assustadora:
Em 1995, o total da despesa pública sobre o PIB era da ordem dos 30%. Em 2002, já era quase 39%.
Verdadeiramente espantoso é que nesse período de tempo a despesa com pessoal tenha passado de cerca de 10 mil milhões de euros para 20 mil milhões, ou seja, duplicou.
No mesmo período, a despesa social duplicou igualmente, mas nesses seis anos o PIB apenas aumentou 26%!
Quer isto dizer que ao longo de seis anos, Portugal construiu uma máquina de devorar dinheiro chamada Estado Social, acolitada pela ascensão vertiginosa da despesa com a massa salarial dos funcionários públicos. O custo salarial da FP passou de 8,9% do PIB em 1995, para 13% do PIB em 2002.
O drama deste tipo de despesa é que se governa como um super-petroleiro em alto mar: qualquer alteração de rota ou de velocidade demora muito tempo até tomar efeito. Quando em 2002 o Governo de Durão Barroso e da sua Ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite, se apercebeu de que o super-petroleiro da despesa pública se dirigia a velocidade de cruzeiro para os penhascos da insolvência, tentou travar a máquina e desviar a rota, mas nem foi suficientemente decisivo na sua acção, nem foi atempado: o tempo necessário para inverter as tendências era de décadas e não de anos, por força dos tais direitos adquiridos entretanto constituídos; por outro lado, quer por razões de inconstitucionalidade quer por falta de vontade política - eleições há quase todos os anos de um ciclo de governo…- o Governo não conseguiu ter uma acção suficientemente decisiva para travar a nau da desgraça que afrontava agora os mares alterosos do «mostrengo que está no fim do mar».
Ainda assim, o esforço do combate à «tanga» afrontou à uma todas as virgens constitucionalistas do País, a começar pela Vestal Maxima, Jorge Sampaio, que impávido à desgraça a que tinha presidido desde 1996, proclamava uma daquelas frases venenosas da esquerda folclórica e poética de que «há mais vida para além do deficit». Como se viu, não há!
O resultado desse combate inglório e pouco decidido, foi uma derrota inglória nas Europeias e nas Legislativas.
O campeão do Estado Social, agora protagonizado por José Sócrates, voltava ao poder, com o monstro na lapela, mais gordo e luzidio do que nunca.
O lema era como o dos marines americanos: «ninguém fica para trás». Na prática, ficamos todos.


1995
2002
2010

Despesa Total
36.787,00
60.526,70
88.502,40
240,6%
Despesa com pessoal
10.990,40
19.935,40
21.093,30
191,9%
Consumo intermédio
3.675,50
6.246,90
8.744,60
237,9%
Transferências correntes
12.861,30
24.168,10
43.929,80
341,6%
PIB
123.608.705
156.346.602
162.097.606
131,1%
PIB / capita
12.323
15.079
15.285
124,0%
Receita Estado
32.085,20
55.701,70
71.506,30
222,9%
Deficit em VA
-4.701,90
-4.824,90
16.996,10
-361,5%

Fonte: Pordata
 Com Sócrates descarrilou tudo: a ascensão da despesa tomou novas cores, remoçou e foi por aí fora - o apogeu foi em 2010, o valor nunca visto de 88 mil e quinhentos milhões de euros!
A FP melhorou, mas já muito pouco; transformada numa administração “indiana” em que muita gente faz muito pouco e ganha menos, estiolou mas continuou a gastar. A despesas social continuou a crescer alegremente tendo as transferências correntes do Estado atingido em 2010 o valor de 44 mil milhões de euros.
Nesse mesmo ano, o deficit do OE foi de 17 mil milhões, ou seja, 10,5% do PIB. Upa, upa! Mas, em 2009, o deficit tinha excedido os 17 mil milhões e os 11% do PIB.
Sei por testemunho pessoal, porque o próprio mo disse em 2006, que José Sócrates tinha bem consciência da necessidade de baixar a despesa pública e de controlar o deficit, mas suponho que o posto de capitão do super-petroleiro se revelou maior que as suas capacidades.
A verdade é que as ordens que ele e Teixeira dos Santos gritavam num tom cada vez mais histérico para a sala das máquinas não tinham qualquer efeito, porque não podiam ter: como Medina Carreira muitas vezes avisou, o desastre era inevitável; sem um golpe de timão súbito e muito violento o navio ia embater nos penhascos.
No espaço de seis anos, entre 2005 e 2011, a dívida pública passou, grosso modo, de 60% do PIB para 100% do PIB, o Estado perdeu por inteiro o controlo do deficit do Orçamento, as tendências portuguesas de médio prazo tornaram-se todas catastróficas.
Valerá a pena tentar ficcionar sobre o que poderia ter acontecido se a partir de 94/95 do século passado os vários Governos portugueses tivessem querido - e podido…- disciplinar as finanças públicas e fazer aquele exercício para que agora nos convocam, o de saber qual é o Estado consentâneo com os recursos que estão disponíveis em Portugal?
De uma coisa não tenho dúvidas: se em 2008 a nossa situação económica e financeira interna não fosse a que era, se dispuséssemos de finanças sólidas e de uma economia competitiva, a crise global ter-nos-ia afectado, mas não nos teria empurrado para a catástrofe.
Uma crise não é uma recessão e uma recessão não é uma depressão. Ora, depois de uma década perdida, entre 2000 e 2010, com crescimentos anémicos, entramos numa década que pode ser redentora e criadora de novas forças nacionais ou definitivamente depressiva.
O meu próximo post será já não sobre a história da nossa crise, mas sobre o futuro da nossa crise.

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