quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Ao Deputado Decente que foi excluído das listas

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de João Luís Mota Campos, ontem saído no jornal i.
Dizia Adriano Moreira que as árvores se conhecem pelos frutos. Se eu tiver no meu jardim uma oliveira estéril, procurarei ocupar-me dela, pô-la a dar azeitonas.
O deputado Pedro Saraiva, relator da
Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso BES

Ao Deputado Decente que foi excluído das listas
O deputado Pedro Saraiva, do PSD, era e é um perfeito desconhecido. No entanto, este desconhecido, cuja aparência e estilo são modestos, protagonizou um dos melhores momentos parlamentares desta legislatura: foi o relator da comissão de inquérito ao colapso do BES. Fez trabalho altamente meritório e, de recompensa, sai das listas do PSD…

Não são muitos os deputados excluídos das listas, mas alguns, por razões várias, são gente que se notabilizou pela independência de espírito, pela diligência e trabalho profícuo, pela perspicácia em defesa do interesse público.
Nalguma coisa haviam de ter de errado, e essa coisa foi não serem indefectíveis dos chefes, não serem dos mais fiéis, daqueles com quem o aparelho – controlado pela direcção controlada pelos chefes – pode contar, mesmo que seja para votarem contra tudo o que defenderam e em que acreditam.

Conta-se que um ditador ateniense decidiu explicar um dia a um visitante qual era o segredo do seu poder. Levou-o a um campo de trigo e mostrou-lhe na seara uma ou outra espiga que eram mais altas que as demais e cortou-as. “Assim, ficam todas iguais, nenhuma avulta.”

É este o método dos nossos chefinhos partidários. Cortar as espigas mais altas; e, no fim, nenhuma avulta. Dos grupos parlamentares o que se espera é uma obediência normalizada e abúlica, um silêncio obrigado e aquiescente, um respeito reverente pelas decisões de quem manda.

Esta vi eu: um importante personagem do PSD, ministro à época, dizia a um deputado do seu partido que tinha ousado discordar de uma menoridade qualquer: “olha lá, fui eu que te fiz deputado, vê lá se te comportas...”

Para quem se interesse por política, as listas do PSD e do PS são um bom indicador de como a normalização aparelhística se tornou a norma nos partidos. Interessante só nos pequenos partidos, onde uma Mariana Mortágua mostrou o que valia e encabeça a lista de Lisboa pelo BE.

No CDS, então, o aparelho reduz-se mesmo ao chefinho: é como ele diz e ponto. Nem chega a haver discussões que se ouçam sobre listas, porque o “partido” não existe, existe apenas o chefe.

A que propósito vem isto, em pleno Agosto?

Pois vem a propósito de este mês preceder a campanha eleitoral e as pessoas estarem de férias com tempo para pensar; e convinha que pensassem no que vão fazer ao depositar o seu voto numa urna. Não estou a fazer um apelo à abstenção, nem ao voto em branco; estou a fazer um apelo a que os cidadãos se tornem mais exigentes e pensem que aquilo que é feito em seu nome só pode ser feito em seu nome se votarem em quem o faz.

Dizia Adriano Moreira que as árvores se conhecem pelos frutos. Se eu tiver no meu jardim uma oliveira estéril, procurarei ocupar-me dela, pô-la a dar azeitonas, senão é meramente decorativa. Ora as nossas oliveiras, os nossos partidos políticos, são hoje meros adereços decorativos, que usam a ideologia como imagem de marca que os distingue do partido ao lado e que são árvores estéreis.

Ou as pomos a dar fruto, e fruto são, ou mais vale erradicá-las e substituí -las por outras, mais sadias e frutuosas.

Assim como as coisas estão, ao votar, estamos apenas a avalizar um sistema que, de facto, já deixou de nos representar há muito e não quer saber de nós para nada.

Para pôr estas árvores a dar fruto, temos todos de nos empenhar muito mais, não premiar com o nosso voto quem nos mente e defrauda, não permitir que estes partidos políticos mantenham o monopólio da representação política, não deixar que dois ou três chefinhos, cujo maior talento consiste em manipular os outros, continuem a dispor do futuro do nosso país, alinhados sabe Deus por que agendas e de quem…

Talvez nas próximas eleições, que o nosso Presidente, em hora aziaga, marcou para Outubro e não para Junho, como responsavelmente devia ter feito, pudéssemos ensaiar uma pequena lição aos partidos: todos nós votamos num determinado círculo eleitoral; o exercício consiste em verificar quem são os candidatos que nesse círculo representam os partidos em que contamos votar e, se nessa lista houver algum que tenha contas a acertar com a justiça, com a moralidade, seja um pára-quedista sem qualquer ligação a quem o elege, pois bem, votemos noutros ou abstenhamo-nos, que sempre é mais higiénico, e tornemos pública a razão por que o fizemos. Se 10% dos eleitores fizessem isto, veriam como a coisa mudava e depressa.
João Luís MOTA CAMPOS
Advogado
ex-secretário de Estado da Justiça

NOTA: artigo publicado no jornal i.

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