quinta-feira, 4 de agosto de 2016

A geringonça, o consumo e a banca

Na série de divulgação do Manifesto POR UMA DEMOCRACIA DE QUALIDADE, republicamos este artigo de Clemente Pedro Nunes, ontem saído no jornal i.
O consumo, tanto público como privado, para se prolongar no tempo tem que se basear nos excedentes criados pelo tecido produtivo, ou num endividamento crescente.


A geringonça, o consumo e a banca

A geringonça chegou ao poder a cavalo dum “póquer político”, fundamentado, em termos económicos, num crescimento alavancado pelo consumo. Com isso, a taxa de crescimento económico então prometida aos portugueses era de 2,4% ao ano.

O projeto da geringonça nunca foi a consolidação do tecido produtivo; o objetivo prioritário foi a conquista do poder, e agora é a manutenção do poder. A qualquer custo.

Ora, o consumo, tanto público como privado, para se prolongar no tempo, tem que se basear nos excedentes criados pelo tecido produtivo, ou num endividamento crescente.

É óbvio que só o primeiro é virtuoso a prazo, mas o segundo é mais prático, se houver quem o financie.

O resultado mais concreto desta política delirante de apoio ao consumo é que, no primeiro trimestre deste ano de 2016, e pela primeira vez desde que há registos, a poupança global do país foi negativa.

Ou seja, num país em que o Estado, as empresas e as famílias estão descapitalizadas, a política governamental fomenta o consumo, delapidando assim os escassos recursos financeiros que deviam ser destinados prioritariamente ao investimento produtivo, sem o qual não há emprego, nem equilíbrio económico futuro.

E aqui entram os créditos que só a banca pode proporcionar. Num país empresarialmente enfraquecido como o nosso, para alimentar esta política, a banca converte-se num instrumento indispensável para prolongar artificialmente no tempo a capacidade de consumo da população.

Se for possível conseguir que a banca financie de forma laxista as empresas e famílias, a coisa tem até um benefício acrescido de curto prazo: mais consumo, mais salários, mais cobrança de IVA e de IRS, mais receitas fiscais e menos défice. E com isso cumprir aparentemente as exigências da Europa no curto prazo. Bingo.

A banca, mais tarde, que estoire. O benefício político de curto prazo fica assegurado, os consumidores, que também são eleitores, lá irão votar satisfeitos em quem lhes proporciona tamanhas benesses. Maquiavélico e politicamente eficaz. A curto prazo, obviamente, mas é só isso que interessa.

Para isso, só é preciso que o BCE alinhe e deixe levar diretamente à dívida uma ou duas capitalizações bancárias para os contribuintes pagarem mais tarde, quando já não houver risco de se perderem eleições.

É esse o plano da geringonça para a banca: com a desculpa de se estar a “capitalizar e a fortalecer os bancos” está-se a garantir “o pote de ouro” para continuar a financiar o consumo na segunda metade de 2016 e em 2017.

Depois, logo se verá; e, no meio, a Europa até pode andar distraída com outros problemas.

Convém apenas acrescentar que, caso os bancos sejam privados, as primeiras vítimas deste plano serão os próprios acionistas dos bancos. Porque serão eles, e muito em especial os pequenos e médios acionistas, que verão primeiro o seu capital evaporar-se, quando as insolvências das empresas e das famílias, a quem se emprestou sem critério, se converterem nas famosas imparidades. Ou seja, em buracos financeiros nas contas dos bancos.

Porque a capitalização dos bancos, que agora se propõe, tem como objetivo o curto prazo da sobrevivência política da geringonça.

Se o plano fosse, como deveria ter sido, fortalecer a capitalização das empresas, a começar pelas PME, então nunca se teria eliminado logo à partida a redução do IRC, que já havia sido acordada conjuntamente por PSD, PS e CDS.

Promover a descapitalização das empresas, aumentando-lhes os impostos, é a garantia de que estas irão ter no futuro cada vez mais problemas em cumprir os seus compromissos com a banca.

Não haja ilusões, a única forma de assegurar a estabilidade do sistema financeiro é promover a capitalização das empresas produtoras dos bens transacionáveis, a começar pelas PME. De outra forma, estão-se a criar as condições para haver, depois, mais imparidades e, consequentemente, mais buracos no sistema financeiro e mais desemprego.

E, quando a fatura destes buracos entretanto criados nos bancos vier, lá serão outra vez chamados os contribuintes para darem o seu contributo para “salvar” os bancos.

Para que a nossa democracia tenha políticos com poder de decisão e que saibam prevenir desastres destas dimensões, assinei o Manifesto “Por uma Democracia de Qualidade”.

Clemente PEDRO NUNES
Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico
Subscritor do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade


2 comentários:

Augusto Küttner de Magalhães disse...

Sem dúvida:

O consumo, tanto público como privado, para se prolongar no tempo tem que se basear nos excedentes criados pelo tecido produtivo, ou num endividamento crescente.

Mas outros que não a Geringonça, não parece terem como dar conta do recado!!!!

Augusto Küttner de Magalhães disse...

Boa tarde

Oportuno artigo sobre S. Tomé e Príncipe e as eleições, de José Ribeiro e Castro no Público de sábado passado.

Melhores comprimentos
Augusto Küttner de Magalhães