sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Histórias de feijões que não são a feijões I – a máquina de destruir riqueza


Julgo que é no filme de Charlie Chaplin «a corrida ao ouro» que há uma cena delirante em que dois garimpeiros refugiados numa cabana isolada na neve num local inacessível partilham as magríssimas provisões para não morrer de fome.

Dividem finalmente 4 feijões, até à última gotícula de molho. O 1º devora os seus dois feijões e fica a olhar guloso e ávido para os dois feijões do 2º, que em deleite remira a sua refeição. Finalmente e com uma lógica absurda, convence-o a dividir com ele os dois feijões dando um a cada, porque é o que é justo. Devora de imediato o seu feijão e recomeça a operação em relação ao último feijão do parceiro. Já não me lembro como é que a cena acaba…

Isto é o que me lembra a última cena do filme «Geringonça: o contra-ataque», em que as manas Martins e Mortágua, do BE, vieram exigir ao PS um novo imposto sobre o património imobiliário acima de (à escolha do freguês) euros, que dizem ser 500.000 e que o 1º Ministro admite ser um milhão.

A simples possibilidade da criação deste imposto incomoda-me em tudo. É uma ideia estúpida e repugnante. Vejamos:

Do ponto de vista da justiça da política fiscal a primeira questão que se nos coloca é a de saber porque é que é criado um novo imposto sobre o património de quem acumulou alguma coisa. É a «questão dos feijões»: o que é que é tributado? O aumento de riqueza? O Património é poupança que corresponde a aumentos patrimoniais que já foram tributados.

A aquisição do património? Mas já foi taxada em sede de IMT e de imposto sucessório, para além do imposto sobre o rendimento que deu origem a essa poupança.

A mais-valia ínsita no património? Mas essa é taxada com a retransmissão do património, quando ocorra transmissão e mais-valia.

Do que não pode haver dúvidas é que a criação de um novo imposto sobre o património constitui de facto uma duplicação da tributação dos fluxos que deram origem à poupança tributada. Aqui o que fica claro é que só quem poupa e acumula património é que é duplamente tributado.

A segunda questão é a de saber porque é que não é tributado todo o património e só o imobiliário. A resposta é simples e está contida no nome: o património mobiliário, por definição é móvel e pode sair facilmente da jurisdição portuguesa e até europeia, tributa-lo é o mesmo que convidar os titulares de contas bancárias e de títulos e acções, a mudarem o local dos seus depósitos.

O património imobiliário parece ser mais «fixo», ou seja, mais facilmente tributável, porque não pode fugir.

Acontece que enquanto uma família da classe média ou média alta terá o essencial do seu património em imóveis, os verdadeiramente ricos podem viver numa casa de milhões, mas o essencial do seu património não é a casa, é o património mobiliário que pode valer centenas de milhões e não é atingido. Ou seja, este imposto não é para eles.

A terceira questão diz respeito às regras operacionais do próprio imposto: que património é que vai ser tributado, em excesso de quanto?

Aqui as questões multiplicam-se: a casa de morada de família é atingida? Dirão os defensores da lei que o valor patrimonial dessa casa já está incluído na franquia seja de um milhão seja de 500.000 euros. Admitamos.

Mas no património imobiliário acima desses valores, que valores são tomados em consideração? O valor patrimonial líquido ou o bruto?

É que as distintas «manas» do BE determinaram ex-catedra que só 1% dos contribuintes têm património acima de 500.000 euros, mas escapou-lhes a ideia simples de que uma parte desse património está em divida à banca, porque foi adquirido com crédito bancário. Se for deduzida essa dívida ao património em questão, talvez o número de contribuintes em causa seja mesmo muito reduzido.

E o que fazer nos casos em que o património está dado de garantia por empresários em relação a empréstimos concedidos às suas empresas? Como se afere o valor desses ónus?

E no caso de o património pertencer a heranças jacentes com vários herdeiros?

A brutalidade simplista das propostas socialo-bloquistas ignora obviamente todas estas questões e promete-nos não as tomar em consideração. Quem com empréstimos ou sem empréstimos, com ou sem ónus, detiver património em excesso do valor que venha a ser fixado, paga e já está. As minudências são defesas de quem não quer «tossir» a sua quota-parte da justiça social que as bloquistas decidiram fazer à custa de quem amealhou alguma coisa.

Depois sobram-nos outras e variadas suspeitas: o que vai acontecer ao património rústico que está obviamente subavaliado? Vai ser avaliado pelo seu real valor patrimonial? No âmbito da reforma do cadastro que já nos prometem, assim a título de coisa técnica, só para melhorar?...

Se isto acontecer, evidentemente que os agricultores vão ver taxados os meios de produção de que dispõem – para aumentar as pensões mais baixas, parece que em 10 € cada, em média. Estou para ver.

E se não forem? Suponhamos dois irmãos que partilham bens imóveis rústicos e urbanos: o 1º fica com os urbanos e vai ser taxado, o segundo fica com os rústicos e não vai? Isto faz sentido?

E as empresas? Fundações e Ordens que têm muitas vezes no património imobiliário o essencial do seu património? Vamos tributar os edifícios fabris? E aproveitamos a deixa e para além de tributar os Jerónimos em IMI a Igreja Católica leva com mais esta sobretaxa (como é que os Jerónimos podem valer menos de um milhão de euros?)

Finalmente veem-nos com a conversa (da treta) que sito só vai atingir «os ricos», que há 9.950.000 portugueses que podem dormir descansados e, a esses «ricos» que têm casas de milhões de euros, que diferença lhes poderá fazer pagar uns milhares ou umas dezenas de milhares (arrepio…) de euros de imposto? Já que não pagam outros (porque à mistura com o resto dos argumentos vem a insinuação de que só vai pagar este imposto quem andou a roubar e a fugir aos impostos)…

Esta conversa pode e deve ser desmontada pelo que vale, que é zero: quem tem bens imóveis não é forçosamente rico nem em rendimentos nem noutros tipos de poupança. Eu posso ter uma casa de habitação magnífica que comprei com a minha poupança e recurso a crédito e não ter rendimentos que permitam pagar mais umas dezenas de milhares de euros de imposto. E porque haveria de o fazer? Quem ganha bem não está já sujeito a uma taxa máxima de 51% de IRS incluindo a sobretaxa?
Porque é que os comentadores de esquerda espirram todos postas de pescada do alto da sua completa ignorância sobre coisas de poupança e de acumulação de capital, sem pensarem duas vezes que para a esmagadora maioria das pessoas a casa de habitação, a eventual casa de férias e a quinta herdada ou adquirida lá para as berças são o único património relevante?

É o velho espírito mesquinho e malévolo (sim senhor, também do Passos Coelho) que os leva a pensar que quem tenha alguma coisa a que possa chamar seu ou roubou, ou fugiu aos impostos, ou se poupou, tivesse gasto. No Frágil de preferência.

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