sábado, 29 de março de 2014

O Comandante Fernando Ribeiro e Castro

Transcrevo o texto escrito pelo Contra-Almirante Engenheiro Construtor Naval Victor Gonçalves de Brito, publicado inicialmente, no passado dia 24 de Março, no blog A Voz da Abita (na Reforma):


EM MEMÓRIA DE FERNANDO RIBEIRO E CASTRO
Depois da doença ter vencido a vontade indomável de viver do Fernando Ribeiro e Castro, sinto o dever moral de testemunhar a grandeza e o mérito de tão ilustre Camarada e Colega de profissão. 
Com o seu falecimento, a comunicação social assinalou a actividade do Fernando Ribeiro e Castro (FRC) como fundador e principal dinamizador da acção cívica da Associação Portuguesa das Famílias Numerosas. 
O meu testemunho cinge-se às actividades profissionais do FRC como oficial de Marinha e, mais recentemente, como Secretário-Geral do Fórum Empresarial da Economia do Mar. 
Com diferença de 5 anos no ingresso na Armada, conheci episodicamente o FRC em 1973, quando regressei de comissão no Ultramar e “estagiei” algumas semanas na Escola Naval quando ele era o “penico” do curso mais antigo. Notava-se claramente que era um líder carismático e uma personalidade forte e de referência. 
Mais tarde, em conversa com um camarada de curso, Comandante de Navio Patrulha em Angola onde o FRC era Oficial Imediato, ouvi rasgados elogios à sua acção, pela sua dinâmica, iniciativa e liderança. 
Regressado do MIT, em 1979, transitando da Classe de Martinha para a de Engenheiros Construtores Navais, o FRC rendeu-me na então 3ª Repartição da Direcção do Serviço de Manutenção, como Chefe da Secção Técnica de Estruturas, onde deu continuidade a um projecto, por mim desenhado e iniciado, de conservação estrutural das querenas dos navios da Armada, que terminou uma longa saga de problemas com as pinturas das obras vivas dos navios – assunto recorrentemente objecto de conversa entre os ECN mais antigos na antiga Inspecção das Construções Navais (a quem era cometida responsabilidade da gestão das docagens dos navios da Armada, onde o problema das tintas para as obras vivas era sempre atribuído ao mais moderno como assunto menor, insolúvel). 
Posteriormente, o FRC prestou provas e assumiu funções docentes na Escola Naval (EN). Nesse período, no exercício de profissão liberal, executou o primeiro anteprojecto de alteração do “Creoula”, para adaptação a “navio de treino de mar”, quando o navio ainda estava sob tutela da Secretaria de Estado das Pescas. 
Ainda como docente da EN, num período crítico e frágil da Direcção-Geral do Material Naval e do seu Gabinete de Estudos, o FRC foi pessoalmente incumbido pelo VAlm VCEMA de iniciar o projecto básico da Lanchas Costeiras, do que posteriormente seria a Classe “Argos”. 
Entretanto o FRC transitou para o Arsenal do Alfeite (AA) e “arrastou” consigo esse projecto que foi assumido em pleno e concretizado. As lanchas permanecem ao serviço da Armada, julgo que com satisfação generalizada. 
No período em que o FRC desempenhou funções de Chefe da Divisão de Projectos do AA, pude verificar a sua elevada dinâmica, determinação e capacidade intelectual. Para além do desenvolvimento do projecto das “Argos”, em especial com os esforços numa solução para a concepção e concretização do embarque/desembarque rápido e seguro da embarcação semi-rígida, que ainda hoje deve ser a única solução viabilizada em navios de pequenas dimensões (recordo-me, a propósito, das prelecções recorrentes a propósito de “Inovação” a que estamos sujeitos no dia-a-dia), recordo todas as iniciativas da altura no sentido de viabilizar novos projectos que por uma ou outra razão não se concretizaram (recordo em particular o projecto de um navio patrulha oceânico para a Argentina e do navio hidro-oceanográfico ALBA – sigla de junção do AA com a Empresa Nacional BAZAN). Dos projectos concretizados posteriormente recordo o das lanchas de fiscalização para República da Guiné-Bissau. 
Recordo também o entusiasmo e empenho do FRC na transição da informática do AA da esfera financeira (a época da mecanografia) para a área técnica, percursora da criação do SIAGIP, sistema de informação de gestão da produção com características avançadas, que muito beneficiou o funcionamento do AA e que nunca foi devidamente valorizado fora do estaleiro. 
Na realidade, o FRC, no AA, confirmou que era um entusiasta lúcido e interveniente, isto é, não se limitava a apoiar – nunca se negava a novos desafios e empenhava-se ao máximo nos projectos que lhe eram cometidos. 
As circunstâncias práticas da vida e as limitações dos vencimentos no Estado levaram-no a pedir a passagem à situação de reserva, o que não lhe foi concedido, devido a uma daquelas decisões – “agora é que vamos pôr isto no são” – que morrem cedo. O FRC, como Capitão-de-Fragata ECN, foi obrigado, juntamente com mais dois ou três camaradas, a requerer o abate ao efectivo da Armada. Recordo, com muita tristeza que, na altura, um justo louvor militar do Administrador do Arsenal do Alfeite não foi superiormente avocado, inviabilizado o que em condições normais levaria a uma justíssima concessão de medalha de serviços distintos. As decisões ficam na consciência de quem as aconselha e de quem as toma. 
Depois de quase duas décadas de actividade fora do meio naval e marítimo, foi com satisfação que o vi contratado para Secretário-Geral do Fórum Empresarial da Economia do Mar (FEEM), onde novamente a sua inteligência, natural empatia, empenho e determinação, foram postos ao serviço das actividades marítimas, agora num âmbito alargado ao todo nacional. A acção do FRC no FEEM foi e tem sido publicamente reconhecida nestes últimos tempos. 
Como Secretário-Geral do FEEM, nunca se furtou a divulgar as oportunidades de actuação nos assuntos do mar e a diligenciar por demover as barreiras burocráticas existentes que dificultavam novos projectos e iniciativas. Aceitava todos os convites para divulgar a mensagem do aproveitamento económico do mar, por vezes, no último ano, com grande sacrifício físico, embora sempre com grande entusiasmo e minimizando os efeitos da doença. 
Já com a saúde muitíssimo debilitada, reuni-me com o FRC por sua convocação como SG do FEEM, no dia 13 de Março. Ficou-me na memória a frase: “o médico quer que eu pare de trabalhar – eu disse-lhe que tinha de mudar o discurso, pois eu continuaria a trabalhar”. Nunca mais o vi, embora ainda tivéssemos trocado mails de circunstância. 
Este é o meu testemunho sentido sobre uma vertente de actuação de um Homem cujo falecimento muito lamento. Ninguém será perfeito e sobre o FRC haverá por certo quem tenha opiniões menos abonatórias. 
Mas para mim foi das pessoas que mais me marcaram, pela sua humanidade, apego à família, brilhantismo intelectual, simplicidade, desprendimento, determinação e entusiasmo por causas. 
Por estar impedido fora de Lisboa não pude estar presente nas cerimónias fúnebres, o que muito lamentei. Mas não quero deixar de testemunhar o meu apreço e homenagear quem, com o seu passamento, muita falta faz. 
Lisboa, 24 de Março de 2014
Victor Gonçalves de Brito
CAlm ECN (ref)

 
Cadete (1969)
Aspirante (1970)
2º Tenente (1980)
2º Tenente (1980)
1º Tenente (1981)
Capitão-Tenente (1983)
Capitão-de-Fragata (1987)

1 comentário:

2283/72 disse...

Durante tantos anos, sempre que Jose Ribeiro e Castro surgia na televisão, eu chamava os meus filhos pequenos, para lhes mostrar, com uma pontinha de orgulho, o homem que tinha sido Imediato no navio da Armada onde servi, o NRP Rovuma, P1143.
A fotografia de Fernando, publicada neste post, mostra-me que confundi os irmãos, confusão perdoável entre dois homens parecidos, inteligentes, desenvoltos no discurso e íntegros de carácter.
E era assim o Fernando, Segundo Tenente da Armada, Imediato do Rovuma, líder estimado de uma guarnição. Estimado e respeitado, apesar da juventude de todos e dele próprio , pela disciplina que impunha e pelo sentido de humanismo e justica que guiavam as suas decisões. Manter a moral a bordo, com uma guarniçao maioritariamente jovem confinada a um espaço exíguo, semanas a fio sem avistar terra, tendo por companhia peixes voadores e mar de proa, exige qualidades de lideranca que poucas pessoas possuem. O Fernando tinha essas qualidades.
Tantos episódios que guardo na memoria, da forma exímia como atracava o navio “à primeira”, ou de como competia com as orcas nos mares de Moçâmedes, interpondo-se entre elas e os pescadores de atum, afastando-as da rota desses barcos frágeis. Ou de como era o primeiro em prontidão, nas madrugadas em que o infurtúnio de outros, exigia a saída imidiata para accões de busca e salvamento na nossa costa ocidental.
Mas a imagem que permanece límpida na minha memória, é a de um jovem oficial da Armada, fardado a rigor, com um filho ao colo subindo o portaló, acompanhado de uma mulher lindíssima, a que sempre o esperava a cada regresso. Uma imagem de comunhão, irradiando felicidade, como se uma aura especial envolvesse a ambos, tornando impossível esconder dos demais. Bom prenúncio do que viriam a ser as vidas de Fernando e Leonor.
Morreu o meu Imediato, um homem estimado entre Filhos da Escola. Também eu estou de luto