quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O manifesto Soares & Outros: velho rumo?

O manifesto que Mário Soares e outras figuras da esquerda democrática ontem divulgaram começa por coisas boas: 

  • o repúdio da “anarquia financeira internacional”
  • a denúncia de a UE ter acordado tarde – e continua a acordar tarde todas as semanas, acrescento eu – para “a resolução da crise monetária financeira e política”
  • o apelo a “um novo paradigma para a UE”, a referência a um certo lastro comum – europeu, democrático e social, digo eu – das “correntes trabalhistas, socialistas e sociais-democratas adeptas da da 3ª via, bem como a democracia cristã”
  • a vontade de promover a “reconciliação dos cidadãos com a política”
  • a exigência de “clarificar o papel dos poderes públicos e do Estado que deverá estar ao serviço exclusivo do interesse geral”
  • a chamada de que “os obscuros jogos do capital podem fazer desaparecer a própria democracia, como reconheceu a Igreja”
  • a proclamação de que “a UE só se pode fazer e refazer assente na legitimidade e na força da soberania popular e do regular funcionamento das instituições democráticas”.
Está ainda muito bem, de seguida, ao pôr o coração – e a cabeça também – ao lado dos aflitos: “há muita gente aflita entre nós: os desempregados desamparados, a velhice digna ameaçada, os trabalhadores cada vez mais precários, a juventude sem perspectivas e empurrada para emigrar”.
Até aqui, também eu podia assinar. E, embora tendo já que chamar a atenção para os últimos anúncios de José Sócrates nesta matéria e para o memorando com a troika que ele negociou e assinou, até poderia subscrever ainda a afirmação do manifesto a “denunciar a imposição de uma política de privatizações a efectuar num calendário adverso e que não percebe que certas empresas públicas têm uma importância estratégica fundamental para a soberania” – até não é só por isto, mas tudo bem.
Novo Rumo? Velho Rumo?

Onde  já não assino de todo é no coração do documento: o protesto final, opondo-se “a políticas de austeridade que acrescentem desemprego e recessão, sufocando a recuperação da economia”. Não é porque eu goste destas políticas, que não gosto nada. É porque, infelizmente, não podemos fugir a elas.
Graças à política socialista dos últimos anos – desperdício e endividamento, engorda do Estado e aumento da despesa pública, promoção contínua de um regime de asfixia tributária sobre as famílias e as empresas, chocante regabofe das SCUT, negociações esquisitas, PPP e clima de “desbunda” na apropriação do Estado por interesses particularistas – chegámos a um estado de necessidade gritante, em que as politicas financeiras duras e de reequilíbrio são absolutamente inescapáveis. No pior contexto, aliás, diga-se, porque a consolidação orçamental foi adiada até à pior altura possível.
Foram os socialistas que deixaram as nossas finanças num estado de desequilíbrio calamitoso, a economia em extrema debilidade e Portugal altamente vulnerável – depois, o contexto internacional adverso fez o resto. E tudo piorou porque, na verdade, em matéria de endividamento excessivo, não fomos só nós a fazê-lo . A UE consentiu e fomentou irresponsavelmente as políticas de economia botox e finanças com silicone, que a muitos nos deixou inchados… e falidos. Não é só Portugal a não ter dinheiro; quase ninguém realmente o tem na nossa Europa.
Por isso, o manifesto Soares & Outros faria bem em lembrar que os “desemprego e recessão” e o sufoco da economia vêm da governação José Sócrates, onde, aliás, começaram: a recessão já vem detrás e, o que eu nunca pensei viver, o desemprego ultrapassou os dois dígitos (!!!) há muito tempo. Até o corte de remunerações começou com Sócrates, depois de uma última rodada da Grande Festa Socialista que foi aquele aumento de 2,9% da função pública, já em plena crise, no ano eleitoral de 2009. Um escândalo! E bem efémero.
Sem este elementar apontamento de verdade e de mea culpa, reclamando também um “novo paradigma”no rumo do PS e da esquerda democrática, o manifesto Soares & Outros não soa de todo ao “Novo Rumo”, que põe em título. Antes apenas a um eco saudoso do Velho Rumo.  E isso… não, obrigado!

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