sábado, 25 de fevereiro de 2012

Crescer o crescido crescimento


António José Seguro já parece um disco partido com a repetida insistência nas "políticas de crescimento", fingindo-se esquecido do terrível legado em que os Governos do PS mergulharam o país.

Nos próximos dias, assistiremos a mais estas cenas dos próximos capítulos.

Diz o jardineiro: 

- "Esta árvore é de crescimento rápido."

Responde António José Seguro:

- "Os socialistas estão na linha da frente da exigência de políticas de crescimento."

Pergunta a vizinha: 

- "Já viu como o Manelinho está mais crescido?"

Responde António José Seguro:

- "Crescimento é precisamente a linha do PS."

Comenta, ao lado, o barbeiro: 

- "Fica-lhe mesmo bem a barba crescida."

Responde António José Seguro:

- "Crescimento é o que exigimos do primeiro-ministro."

Diz o cozinheiro:

- "Põe no formo e, depois de o souflé crescer, desliga."

Responde António José Seguro:

- "O que o PS insistiu junto da troika foi por uma atitude positiva face às aspirações de crescimento."

Acordo Ortográfico: a tendência "pe'cébe"


Na controvérsia sobre o Acordo Ortográfico, que reabriu, dei-me a prestar mais atenção ao problema da eliminação das consoantes c e p, quando mudas. 

A regra é a de as eliminar, quando as não pronunciamos: Egito em vez de Egipto; ação em vez de acção; ato em vez de acto; espetador em vez de espectador; exceção em vez de excepção; etc. E é dito também que isso acontece quando tal se verifique na pronúncia culta da língua. Por exemplo: continuaremos a escrever facto, porque dizemos facto, pronunciando o p.

Ora, essa é justamente parte principal do problema. É que a nossa pronúncia culta é... inculta.

Se formos a qualquer outra língua onde esses vocábulos existam, verificaremos que são correctamente pronunciados. Isto é, outros povos não comem letras, nem alteram as palavras e fazem questão de pronunciar correctamente o que dizem. É assim em francêsÉgypte; action; acte; spectateur; exception; etc. O mesmo em castelhanoEgipto; acción; acto; espectador; excepción;  etc. E o mesmo em inglêsEgypt; action; act; spectator; exception; etc. Em todos estes casos os c e os p são devidamente pronunciados: fazem parte do étimo, estão devidamente escritos e são devidamente ditos.

Dito de outra forma: a progressiva decadência da nossa língua tem muito a ver com a forma incorrecta como deixámos evoluir a nossa fala, pronunciando mal a palavra escrita. Um problema que torna cada vez mais difícil fazermo-nos entender e que poderá agravar-se com a nova grafia, empurrando-nos para um modo de falar cada vez mais átono, hermético e desenraizado.

É uma irreprimível tendência "pe'cébe", "te'fone" e "te'visão"... Não é só das tias de Cascais. É mesmo uma decadência global do nosso modo de falar, flagrante na comparação com outros povos e outras línguas.

Remédios? Dois: primeiro, não mudarmos a escrita, numa linha que agrava o risco; segundo, corrigirmos a nossa pronúncia, a partir de um esforço prolongado da escola, da rádio e da televisão.

Se não, daqui a umas décadas, a nossa língua será assim: zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz...

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Olivença - talvez lá volte


Vou contar um episódio, também pendente desde 2010. Vem do tempo em que fui Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, na Assembleia da República.

Do processo de desanuviamento pragmático que se desenvolveu em Olivença e na Extremadura espanhola, sobretudo nos últimos dez anos, resultou a formação de uma interessantíssima associação oliventina, a "Além Guadiana". Dedica-se justamente, no território do Ayuntamiento e na região, a reavivar a memória portuguesa sem pisar os terrenos hiper-sensíveis do diferendo fronteiriço entre os dois Estados: honra à História, serviço à população, verdade e memória na Cultura pareciam ser os seus propósitos generosos e desinteressados - e, por sinal, bem dinâmicos. 

Conheci-os em finais de 2010, no quadro da tramitação final de uma petição antiga sobre a questão de Olivença, que nunca chegara a ser cumprida: a Assembleia da República recomendara (salvo erro, em 2005) que o ministro dos Negócios Estrangeiros fosse ouvido sobre a matéria, o que nunca ninguém cumprira. E, sendo eu Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros, decidi agarrar na pendência e dar-lhe sequência: recebi o GAO (Grupo dos Amigos de Olivença) para actualizar os dados do problema, fui informado da "Além Guadiana" (que também nos procurara por outra via), recebi e escutei atentamente os projectos e propósitos da "Além Guadiana" e apresentei o caso à Comissão. 

Foi decidido, com toda a discrição e recato, ouvir o ministro dos Negócios Estrangeiros (então, Luís Amado) sobre o problema, o que veio a ser feito na audição regimental seguinte - salvo erro de memória, em final de Setembro de 2010. Da audição, que foi bastante franca, objectiva e equilibrada, resultou a orientação consensual de que a Comissão de Negócios Estrangeiros não deveria receber a "Além Guadiana" em audiência, nem visitar Olivença, como era procurado, a fim de não suscitar um problema político-diplomático de curso absolutamente incerto e conveniência política duvidosa. Isto sem prejuízo de se reconhecerem as vantagens e os benefícios de serem continuados, no terreno, por parte de quem o quisesse, os esforços de "desanuviamento" e de reafirmação da identidade cultural própria de Olivença, como era prosseguido pela "Além Guadiana" e outros. Foi nomeadamente admitido, por conseguinte, que cada partido ou os deputados individualmente fizessem o que muito bem entendessem. A reserva consensualizada foi apenas, nesse contexto, relativamente a quaisquer iniciativas abertas da Comissão de Negócios Estrangeiros, que, sendo um órgão parlamentar oficial, inevitavelmente elevaria a questão para o plano sensível das relações entre os dois Estados.

Este rescaldo foi comunicado por mim ao GAO, a quem, pessoalmente, transmiti também algumas sugestões, quando à forma como alguns oliventinos poderiam tentar reaver a nacionalidade portuguesa, se assim o desejassem. E havia também ideias de que oliventinos ou instituições suas pudessem solicitar o estatuto de observadores na CPLP, matéria cuja sequência desconheço. Por outro lado, a delicada situação política que se vivia em Portugal por causa da crise financeira, o OE 2011, os PEC sucessivos, a dissolução da Assembleia da República, a vinda da troika, impediram continuidade imediata do assunto de Olivença por minha parte. 

Conheço Olivença. Já lá estive duas ou três vezes, há muitos anos já. É uma vila bonita. 

Fiquei de lá voltar, no quadro daquele diálogo, em 2010, com a "Além Guadiana", como descrevi acima. Depois, nunca pude cumprir esse desejo e intenção, por causa de outras prioridades que se atravessaram. Talvez lá volte agora. 

Gostei muito da Associação "Além Guadiana" e fiquei com grande admiração e estima pelos seus membros. Velhas raízes, novas gerações.

Olivença e Portugal


Do ponto de vista jurídico, a questão não oferece dúvidas: Olivença é uma terra  portuguesa e o seu território português. A pertença de Olivença a Portugal está reconhecida desde o século XIII, pelo Tratado de Alcañices (1297). Remonta ao período da Fundação e à repartição fronteiriça com os nossos vizinhos, desde os tempos da Reconquista: a retoma do Sul da península aos mouros, concluída no século XV.

Olivença foi ocupada ilegalmente por forças espanholas, no quadro de várias refregas fronteiriças que ocorreram entre os dois países, nas fronteiras Minho/Galiza e Alentejo/Extremadura, nos finais do século XVIII e inícios do século XIX - o episódio, neste último caso, ficou conhecido como a "Guerra das Laranjas".

A razão portuguesa foi reconhecida, primeiro, no Tratado de Paris (1814) e, logo a seguir, no Congresso de Viena (1815), como a Espanha expressamente assinou e confirmou em 1817. Mas nunca cumpriu... e, ao longo dos anos, vários pretextos foram servindo às autoridades espanholas para arrastarem a situação de facto, incumprindo a obrigação perante a História e o Direito Internacional. 

Certo é que Portugal não reconhece - nem pode, sob pena de traição - a posse de Olivença por Espanha. E o Tratado de Limites interrompe, por isso mesmo, a definição da linha de fronteira entre os dois países, na região de Olivença, desde o século XIX. 

Houve, aliás, muita violência, nestes dois séculos de "entretanto", com tentativas espanholas de apagamento forçado dos registos das raízes portuguesas, incluindo nos nomes das famílias. A fase mais recente da repressão anti-portuguesa ocorreu no regime franquista. Mas, estando fora de causa recuperar Olivença manu militari, o problema só poderá, algum dia, ser resolvido por via diplomática e merece sempre ser tratado com bom senso político. 

De iure Olivença é Portugal. De facto rege a Espanha.

Nos últimos anos, o ambiente local e regional tinha começado a mudar. E Portugal sempre tratou da matéria com honra, clareza e cautela, não abdicando de direitos próprios, mas não desencadeando questões que provocassem o Estado espanhol e abrissem contenciosos que não pudéssemos, depois, gerir e governar.

Tudo bem, até este novo alcalde decidir borrar a pintura. Como já escrevi, “festejar” a Guerra das Laranjas nas nossas barbas – e, como outros dizem, no território que tem as campas dos oliventinos mortos no enfrentamento militar de há dois séculos – é uma provocação tão gratuita como Isabel II ir, em Junho, a Gibraltar celebrar o seu Jubileu de Diamante: ¡Que Diós salve la Reina! Certamente que veríamos, em Gibraltar, Cameron e Rajoy… E que a imprensa espanhola saudaria, em peso, um tal gesto britânico.

Se o alcalde Bernardino Píriz quis ter o seu minuto de fama, já o conquistou. Não sei é se se aguentará no balanço. A questão que abriu não pode, agora, deixar de ser tratada ao nível adequado.

Olivença e a "Guerra das Laranjas"

Olivença - muralhas e porta
A questão de Olivença é uma delicada pendência dormente nas relações luso-espanholas. É, não – era! Um alcalde “voluntarioso” do lado espanhol resolveu chutar o tema para as primeiras páginas dos jornais. E inevitavelmente para a primeira linha da política. Agora, procura dobrar a língua, mas o mal está feito e o seu gesto tem tudo menos de inocente.

Nos últimos anos, o ambiente melhorava: com apoio das autoridades regionais extremenhas, a autarquia de Olivença abrira-se à revelação das raízes portuguesas, recuperando e reafirmando traços identitários na toponímia histórica das ruas e em festivais anuais de matriz portuguesa. Simultaneamente, com algum pragmatismo, dos dois lados da fronteira, descobriam-se formas imaginosas de tornear dificuldades políticas, a fim de responder às necessidades das populações - por exemplo, no dossier de  reabilitação de uma  ponte de acesso à vila. Este desanuviamento revelava grande sentido prático e era um processo inteligente, que procurava andar para diante sem ferir o alto melindre político da questão. As autoridades locais e regionais espanholas pareciam interessadas em avivar a especial identidade de Olivença, até para a singularizar na região como pólo específico de procura turística, e circunscrevendo o processo a traços de identidade cultural, sem entrar obviamente pelo delicadíssimo - e potencialmente explosivo - plano político.

Estávamos nós postos neste sossego, quando o "enérgico" alcalde Bernardino Píriz aterra em Olivenza e resolve reabrir a Guerra de las Naranjas. Desde há semanas que éramos altertados para a provocação que congeminou. Até que o PS e autarcas locais do lado português - a meu ver, bem - resolveram agarrar no assunto. Além do disparate político monumental, a iniciativa do novo alcaide oliventino interrompe esforços positivos que os autarcas alentejanos vizinhos conhecem bem e estavam a acompanhar e apoiar. 

"Festejar" a Guerra das Laranjas em Olivença é uma coisa de flagrante mau gosto. Seria um pouco como a Rainha Isabel II ir celebrar a Gibraltar o Jubileu de Diamante no próximo mês de Junho.

Contagem decrescente


Soube, ontem, os prazos oficiais. A proposta de lei que, entre outras matérias, contém o novo regime dos feriados (a PPL n.º 46/XII) deu já entrada na Assembleia da República e seguiu para apreciação pública por um período de 30 dias corridos. O prazo começou a contar no passado dia 18 de Fevereiro e estende-se até 19 de Março de 2012. Deve ter sido publicada, nesse dia, a pertinente decisão no Diário da Assembleia da República.

Resumindo e concluindo: temos quatro semanas para defender o 1º de Dezembro, feriado nacional, o dia em que celebramos a independência nacional.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O cavalo do escocês


Anteontem, foram divulgados números que dão conta de que, além de Portugal e Grécia, entraram também em recessão mais três países da União Europeia: Itália, Bélgica e a severa Holanda. Por outro lado, também a Alemanha, que chefia a banda, e toda a zona euro tiveram um 4º trimestre de 2011 negativo (respectivamente, -0,2% e - 0,3%), ficando a um trimestre de distância de entrarem igualmente em recessão.

As políticas de austeridade estão a ser extremas e demasiado pesadas. A evidência é cada vez maior de que estamos a fazer a mesma experiência da anedota do "cavalo do escocês": quando estivermos a economizar de forma catita e a conseguirmos manter-nos sem comer, ... morremos! Não teremos já oportunidade de gozar o "sucesso".

Os nossos números já não enganam. E os da Europa também não.

Justiça ao Príncipe



Na segunda-feira, fez-se justiça a Maquiavel. A apresentação de Carlos Magno foi brilhante: fácil de seguir e profunda, muito bem contextualizada quer no seu tempo, quer na transposição para os nossos dias. E, grande conversador que é, ilustrando vários momentos com conversas cruzadas com Jorge de Sena e Francisco Lucas Pires.

Brilhou aquele que, para muitos, é um dos fundadores da Ciência Política contemporânea: Nicolau Maquiavel.

Por mim, aproveitei para desmontar o que chamei de "a armadilha das citações" e que procurei provocar no post de ontem. Como comentei, "a má fama de Maquiavel deve-se mais às citações que dele se fazem mais do que àquilo que realmente escreveu." E também contei a minha experiência de quando li "O Príncipe" pela primeira vez, nos meus tempos de estudante: "Foi assim como, hoje, comprar um jornal que também tenha aderido à moda dos títulos sensacionalistas na primeira página e, depois, verificar que, lá dentro, o jornal tem muito mais conteúdo do que imaginaria. É um misto de desapontamento e encantamento: desapontamento para os que o imaginariam superficial e caceteiro; encantamento por verificar que tinha muito mais alimento do que a montra deixava adivinhar."

Maquiavel merece ser lido. E os seus escritos são mais narrativas, absolutamente frias, de alguns modos da política do que propriamente recomendações. É um erro - um erro de palmatória - ajuizá-lo pelas tábuas da moral, que foi justamente o patamar que ele procurou evitar.

As citações não lhe fazem justiça. E menos ainda os que apenas o citam, sem nunca o terem lido. Esses são os verdadeiros maquiavélicos: só retêm os truques, não o saber. 

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Um príncipe, dois príncipes, três príncipes


Nicolau MAQUIAVEL (1469-1527)
«Uma guerra é justa quando é necessária.» 
«Tornamo-nos odiados tanto fazendo o bem como fazendo o mal.» 
Estas são duas das mais conhecidas citações de Maquiavel. Podia citar outras, tiradas já de “O Príncipe”, a sua obra de referência:
«Os homens hesitam menos em ofender quem se faz amar do que em ofender quem se faz temer; porque o amor é mantido por um vínculo de obrigação que, por serem os homens pérfidos, é rompido por qualquer ocasião em benefício próprio; mas o temor é mantido por um medo de punição que não abandona jamais.» 
«São tão simples os homens e obedecem tanto às necessidades presentes, que quem engana encontrará sempre alguém que se deixa enganar.»
«As injúrias devem ser feitas todas de uma só vez, a fim de que, saboreando-as menos, ofendam menos: e os benefícios devem ser feitos pouco a pouco, a fim de que sejam mais bem saboreados.»
«Os homens esquecem mais rapidamente a morte do pai do que a perda do património.»
«Todos vêem o que pareces, poucos percebem o que és.»
Com esta introdução, não é difícil perceber por que motivo “O Príncipe” é ainda hoje considerado um manual de referência do cinismo político, mesmo o manual de referência do cinismo político. Nem custa entender a razão por que a palavra “maquiavelismo” ganhou o significado que todos lhe atribuímos: política feita sem moral, por pura razão fria de poder; ausência absoluta de ponderações éticas e puro imperativo prático de conquista, de conservação ou de reforço do poder. 

Mas será mesmo assim? Foi isso que Maquiavel escreveu? E é isso que dele devemos guardar hoje?

Nicolau Maquiavel foi um escritor, diplomata e pensador político, que viveu em Florença entre os séculos XV e XVI. Conheceu o apogeu da era dos célebres Medici e acompanhou os seus altos e baixos. Esteve próximo do poder, também junto dos não menos célebres Borgia, na Romanha, mas sofreu também a perseguição: esteve preso e chegou a ser torturado. Muitos dos seus  textos, como “O Príncipe”, são escritos já depois de retirado, nos últimos anos da sua vida, registando o saber da longa experiência adquirida e vivida, ou compendiando escritos avulsos da sua carreira. Conselheiro de príncipes, Maquiavel foi, ele próprio, um príncipe do pensamento político do Alto Renascimento e marcou um registo que nunca mais se apagou. Até hoje.

Para nos falarmos de “O Príncipe”, na sessão de hoje do ciclo POLÍTICA E PENSAMENTO: A VOZ DOS LIVROS, na Livraria Férin, convidámos outro príncipe: Carlos Magno. 

Carlos Magno é um príncipe do jornalismo português. E, hoje, como presidente da ERC, é mesmo o príncipe dos príncipes.

Homem do Porto (que é, desde 2009, bem ditas as coisas, a minha cidade de eleição), aí se licenciou em Jornalismo e andou também pela Filologia Germânica e pelas Línguas e Literaturas Modernas. Especializou-se em Filosofia da Comunicação e ensina no Instituto Superior de Comunicação Empresarial (ISCEM), em Lisboa, bem como na Faculdade de Filosofia da Universidade Católica, em Braga. Leccionou outras matérias da sua especialidade na Escola Superior de Jornalismo do Porto (a sua escola), no ISAG do Porto, no Instituto Superior Miguel Torga e no Instituto de Estudos Superiores Financeiros e Fiscais (IESF).

Como jornalista, começou na Rádio Universidade e fez uma longa e sólida carreira na Antena 1, RDP - aí chegaria a Director-Adjunto de Informação e foi comentador permanente até há poucos meses, bem como na RTP. Foi também editor do Expresso, fundador da TSF, onde chegaria a administrador e director, membro da direcção do Diário de Notícias e fundador do canal de televisão por cabo que deu origem à RTP-N, hoje RTP-Informação. Onde? No Porto, claro! 

É um conversador inveterado e um entrevistador temível. Pedimos-lhe justamente para vir conversar connosco.

Nos tempos da TSF, Carlos Magno teve um programa de análise política que se chamou “Freud & Maquiavel”. Começa aí a história do convite de hoje. E, em 2007, interrogado pelo JN, Carlos Magno diz o seguinte: «Li Maquiavel pela mão de Jorge de Sena que defendia a tese de que verdadeiramente maquiavélico era o Príncipe. O Carlos Amaral Dias ensinou-me a ler Freud. E com ele percebi que se o Maquiavel fosse vivo seria hoje um «spin doctor» do marketing político.»

É esta ideia, uma ideia atraente, transplantando Maquiavel e o maquiavelismo para a política dos nossos dias, que desencadeou o desafio que fiz a Carlos Magno. Queria o seu olhar de jornalista e de estudioso, que sabemos que também é.  

Mas, há dias, acresceu outro motivo de interesse. Perguntava eu ao Carlos Magno que livro preferia que aqui estivesse, de entre as várias edições portuguesas de “O Príncipe” de Maquiavel. E perguntava-lhe se preferia a edição da Presença, ou a da Temas e Debates, ou a da Europa-América, ou outra ainda. Carlos Magno respondeu-me na volta: «A edição da Europa-América é fundamental: é que tem o comentário de Napoleão Bonaparte.»

Distracção minha. Eu devia ter calculado. Para quem se chama Carlos Magno, só podia ter préstimo o comentário de Napoleão Bonaparte ou mais acima. Em rigor, Carlos Magno e Napoleão são colegas. A palavra, portanto, ao jornalista, estudioso, príncipe e imperador.

Às 18:30 horas, na Livraria Férin, ao Chiado em Lisboa, com apoio e cobertura especial do jornal i e da Antena 1. Até já!


O Manifesto está a andar

A SIC-Notícias deu, ontem, cobertura ao tema do Manifesto do 1º de Dezembro. Fez confusão com outra iniciativa que visa os dois feriados - 5 de Outubro e 1 de Dezembro -, mas foi uma boa oportunidade de apresentação pública. 


Também o Jornal de Notícias deu relevo à iniciativa.

União Europeia e independência nacional


As nossas elites têm alguns basbaques sempre prestáveis a tudo o que é estrangeiro. É gente muito cautelosa para não ferir susceptibilidades, não vá "parecer mal". É pecha antiga, problema nosso.

Ora, são dezoito os países da União Europeia (UE-27), cujo Dia Nacional - o feriado nacional mais importante - celebra a data da sua independência ou equivalente. Assim:

  • Lituânia - o dia nacional é a 16 de Fevereiro. Celebra a recuperação da independência do país em 1918, pela declaração de independência face à Rússia e à Alemanha. Tem também um outro feriado sobre a independência, festejando a 11 de Março a libertação da União Soviética em 1990.
  • Estónia - o dia nacional é a 24 de Fevereiro. Comemora a declaração de independência em 1918, face à Rússia. Tem também um outro feriado sobre a independência, celebrando a 20 de Agosto a libertação da União Soviética em 1991.
  • Bulgária - o dia nacional é a 3 de Março. É o Dia da Libertação, celebrando a assinatura em 1878 do Tratado de Santo Estêvão, que, pondo termo à Guerra Russo-Turca, impôs ao Império Otomano a autonomização do Principado da Bulgária. Tem ainda um outro feriado da Independência, em 22 de Setembro, celebrando o dia em que o país declarou, finalmente, a independência em 1908.
  • Grécia - o dia nacional é a 25 de Março. Celebra a independência do Império Otomano, em 1821. Tem também um outro feriado sobre a independência, o Dia Ohi (Epetios tou Ohi), que celebra a 28 de Outubro a rejeição do ultimato de Mussolini em 1940.
  • Suécia - o dia nacional é a 6 de Junho. Celebra a eleição do Rei Gustav Vasa, em 1523. Esta eleição pôs termo à União de Kalmar, que unia, em regime de união pessoal, os três reinos escandinavos (Dinamarca, Suécia e Noruega, incluindo a Islândia, a Gronelândia e parte da actual Finlândia), tornando-se, assim, a Suécia um reino independente.
  • Luxemburgo - o dia nacional é a 23 de Junho. O trono do Luxemburgo separou-se do trono holandês, através da separação das respectivas linhas de sucessão em 1890. O dia de aniversário do Grão-Duque passou, assim, a celebrar a independência do país. Este feriado conheceu, por isso, várias datas diferentes, acabando por ser fixada como data oficial a de 23 de Junho, que, todavia, nunca foi o efectivo dia de nascimento de nenhum dos monarcas luxemburgueses. 
  • Eslovénia - o dia nacional é a 25 de Junho. Comemora o acto de independência, em 1991, face à antiga Jugoslávia.
  • Bélgica - o dia nacional é a 21 de Julho, comemorando a ascensão ao trono do primeiro rei belga, Leopoldo I, em 1831, após a independência dos belgas face à Holanda. Celebram também a 11 de Novembro outro feriado relacionado com a independência: o Dia do Armistício, celebrando o fim da guerra 1914-18.
  • Hungria - o dia nacional é a 20 de Agosto, que foi o Dia de Santo Estêvão até 1687. Santo Estêvão foi o primeiro Rei dos húngaros, coroado no ano 1000.
  • Eslováquia - o dia nacional é a 1 de Setembro. Comemora a adopção, em Bratislava, da Constituição de 1992, dando corpo à separação da antiga Checoslováquia. Tem mais quatro feriados que celebram o valor da independência: a 1 de Janeiro, celebrando a separação efectiva, em 1993, das República Checa e Eslováquia; a 8 de Maio, o Dia da Vitória sobre o Fascismo, celebrando o fim da II Grande Guerra, em 1945; a 29 de Agosto, festejando o levantamento dos eslovacos contra a Alemanha nazi, em 1944; e a 17 de Novembro, comemorando quer as manifestações estudantis em 1939 contra a ocupação nazi, quer as manifestações de 1989 que desencadearam a "Revolução de Veludo", pondo termo à dominação soviética.
  • Malta - o dia nacional é a 21 de Setembro. Festeja a independência em 1964. Há mais dois feriados ligados ao valor da independência: a 31 de Março, o Dia da Liberdade, que celebra a retirada completa das tropas e da marinha britânicas em 1979; e a 8 de Setembro,  o Dia da Vitória,  que comemora quer a vitória dos Cavaleiros Hospitalários, afastando em 1585 o Grande Cerco dos turcos otomanos, quer a capitulação italiana em 1943, pondo termo ao Segundo Cerco da ilha.
  • Chipre - o dia nacional é a 1 de Outubro. Festeja a independência alcançada em 1960, com o fim do domínio britânico. O Chipre celebra, ainda, os dois feriados gregos relacionados com a independência da Grécia e já acima referidos: 25 de Março (libertação dos otomanos) e 28 de Outubro (o dia Ohi).
  • Alemanha - o dia nacional é a 3 de Outubro. Pela história da formação do Estado alemão, a Alemanha não tem propriamente festa da independência. O dia nacional celebra a Reunificação alemã, em 1991, o facto que fundou a Alemanha dos nossos dias.
  • República Checa - o dia nacional é a 28 de Outubro, que celebra a criação da Checoslováquia e sua independência em 1918.  Tem mais três feriados que, em datas comuns com a Eslováquia, comemoram o valor da independência: a 1 de Janeiro, celebrando a separação, em 1993, da República Checa e da Eslováquia; a 8 de Maio, o Dia da Libertação, celebrando o fim da II Grande Guerra, em 1945; e a 17 de Novembro, comemorando quer as manifestações estudantis em 1939 contra a ocupação nazi, quer as manifestações de 1989 que desencadearam a "Revolução de Veludo", pondo termo à dominação soviética.
  • Polónia - o dia nacional é a 11 de Novembro. Celebra a restauração da independência polaca, em 1918, ao fim de 123 anos de partições do território com a Rússia, a Prússia e a Áustria. 
  • Letónia - o dia nacional é a 18 de Novembro. Celebra a independência face à Rússia, em 1918. Tem também outro feriado, comemorando a Restauração da Independência, em 4 de Maio, data da libertação da União Soviética, em 1990.
  • Roménia - o dia nacional é a 1 de Dezembro, chamado Dia da Grande União ou Dia da Unificação. Festeja a união, em 1918, do Reino da Roménia com a Transilvânia, celebrando, assim, a fundação da Roménia moderna.
  • Finlândia - o dia nacional é a 6 de Dezembro e celebra a  independência face à Rússia, em 1917.


Dos restantes nove Estados-membros, cujo Dia Nacional não comemora a independência, há mais quatro, todavia, que têm feriados associados ao valor da independência nacional:


  • França - tem dois feriados celebrando o fim da I Grande Guerra 1914-18 (o Dia do Armistício, a 11 de Novembro) e o fim da II Grande Guerra 1939-45 (o Dia da Vitória, a 8 de Maio) e o triunfo sobre a Alemanha.
  • Itália - tem o feriado de 25 de Abril, o Dia da Libertação, celebrando a vitória sobre a Alemanha nazi e a libertação final de Génova, Milão e Turim, em 1945.
  • Holanda - comemora a 5 de Maio a libertação da Alemanha nazi, em 1945.
  • Portugal - celebra em 1 de Dezembro a Restauração da Independência, em 1640, face a Espanha.


Dos restantes cinco Estados-membros, que não têm qualquer feriado associado ao valor da independência nacional, três são países em que a palavra e a ideia não fazem o menor sentido na sua concreta história nacional: Áustria, Espanha e Reino Unido - todos foram sede de impérios e não se tornaram independentes de nenhum outro Estado. A única verdadeira excepção é, assim, a Irlanda, cujo feriado nacional mais importante é o Saint Patrick's, símbolo religioso da identidade irlandesa. Quanto à Dinamarca, que seria a outra excepção, celebra o seu Dia Nacional no dia do aniversário da Rainha (16 de Abril), que é o símbolo vivo da respectiva independência nacional, à semelhança do que fazem também o Reino Unido e a Holanda.


Enfim, também a Croácia, cuja adesão já foi aprovada como o 28º Estado-membro da U.E., irá juntar-se ao primeiro grande grupo: o seu dia nacional a 25 de Junho, festeja a declaração de independência da antiga Jugoslávia, em 1991.

Perante estes factos, não há mais pequena dúvida: só por saloiice poderá sustentar-se a absoluta idiotia de que o "feriado da independência nacional não faz sentido na Europa".

Em síntese: dos 27 Estados-membros da União Europeia, são 22 os que têm feriados comemorativos do valor colectivo da independência nacional ou relativos à fundação do Estado - e, com a entrada da Croácia, passarão a ser 23. Destes, 18 festejam inclusive essa data como seu Dia Nacional e 11 têm até mais do que um dia feriado para celebrar a  a independência e a libertação de dominação estrangeira.

Tranquilizem-se, pois, as inquietas elites. A independência nacional está de moda. É celebrada em Vilnius, Tallinn, Sofia, Atenas, Estocolmo, Luxemburgo, Ljubljana, Bruxelas, Budapeste, Bratislava, La Valeta, Nicósia,  Berlim, Praga, Varsóvia, Riga, Bucareste, Helsínquia, Paris, Roma e Haia. Bem vistas as coisa, até em Copenhaga. E Zagreb vai juntar-se. O 1º de Dezembro está na boa linha. É o feriado certo - e deveria ser o Dia de Portugal.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Comemorações do 1º de Dezembro

Outra ideia posta a correr é a de que "não se celebra o 1º de Dezembro" e, por isso, já seria muito bom que se passasse a celebrá-lo. Sem dúvida que as celebrações são importantes,. É fundamental dar mais dignidade  e projecção ao verdadeiro Dia de Portugal que é a Festa da Independência Nacional. Mas não certamente à custa do feriado e do seu completo apagamento do calendário oficial.

Além disso, é uma ideia feita, errada, a de que há longuíssimos anos que não se festeja o 1º de Dezembro. Já aqui pus umas fotos que mostram Manuel de Arriaga e Afonso Costa em solenes celebrações do 1º de Dezembro, nos tempos da 1ª República. Na época do Estado Novo, pelos menos nos anos '60 e '70, o 1º de Dezembro também foi sempre celebrado com desfiles pela Avenida da Liberdade. E, a seguir ao 25 de Abril, o 1º de Dezembro foi agarrado pela sociedade civil, que, respondendo a chamamentos da jornalista Vera Lagoa, fê-lo pólo de grandiosas manifestações populares em desfiles de rua pela Avenida da Liberdade, nos primeiros anos de implantação da democracia. Tempos exigentes, de luta e afirmação pela liberdade.

As celebrações oficiais do 1º de Dezembro, com presença de altas autoridades, prosseguiram, aliás, no regime democrático, até anos bem recentes, como as fotografias abaixo documentam. Seria apenas, salvo erro, no segundo mandato presidencial de Jorge Sampaio que seriam interrompidas, por razões ou pretextos nunca completamente esclarecidos. Há quem diga que terá sido por causa de uma embirração qualquer, depois de umas manifestações de uns adeptos da causa de Olivença, que teriam deixado Sua Excelência agastado.

Está na hora de reparar esse agravo contra o espírito e a festa da Independência Nacional. E não de o agravar ainda mais, com o fim do próprio feriado nacional.

O 1º de Dezembro, celebrado há poucos anos, na Praça dos Restauradores

O 1º de Dezembro, celebrado há poucos anos, na Praça dos Restauradores


Até há uma moedinha...


Para os esquecidos ou ignorantes da verdade que persistam na falsidade de que o 1º de Dezembro não é o feriado da Independência, convém dirigi-los para a existência, bem recente, de uma moeda de 100$00, cunhada e emitida em 1990, que o regista e comemora.

Com sorte, ainda conseguem comprar uma. Para lembrar, guardar e celebrar.

O feriado fundador

O discurso dos indiferentes procura, entre outras aguadilhas, alimentar a ideia de que «não, senhor, o feriado do 1º de Dezembro não é nada o feriado da Independência, é o da Restauração». E há quem insista que "a Restauração é uma coisa diferente" e, portanto, não teria a menor importância acabar com o feriado. 

A ideia pode parecer boa aos que se precipitam a correr para os saldos das ideias de conveniência. Mas, bem vistas as coisas, é uma ideia bastante para o disparatado.

Desde logo, esta Restauração não é um negócio de restauração, de turismo e mesa posta. Também não se trata de restauração de móveis ou obras de arte. E tão-pouco é a restauração do Restaurador Olex. É a Restauração da Independência Nacional.

Essa é, aliás, a designação oficial do feriado: 1 de Dezembro - Dia da Restauração da Independência. E o próprio palácio, em Lisboa, ali ao Rossio, que era de D. Antão de Almada e onde conspiraram os 40 conjurados, não tem, hoje, outro nome consagrado senão o de Palácio da Independência.

Como aqui já recordei, Portugal poderia, em abstracto, celebrar colectivamente o valor da nossa independência com referência a um de três momentos históricos principais:
  1. A Fundação da nacionalidade, no século XII: e, aqui, poderíamos referir-nos à Batalha de S. Mamede, em 24 de Junho de 1128; ou à altura em que D. Afonso Henriques passou a usar o título de  Rei, em data incerta de 1140 (havendo também quem refira que o facto ocorreu a seguir à Batalha de Ourique e que esta aconteceu em 25 de Julho de 1139); ou ao Tratado de Zamora, em 5 de Outubro de 1143; ou, ainda, à bula Manifestis Probatum do papa Alexandre III, em 23 de Maio de 1179.
  2. A crise do Interregno, no século XIV (1383-1385): e poderíamos referir-nos, aqui, às Cortes de Coimbra, que, em 6 de Abril de 1385, designaram o Mestre de Aviz como nosso rei D. João I, rompendo com a sucessão para D. João I de Castela; ou à mais célebre e importante das batalhas contra os castelhanos, a Batalha de Aljubarrota, em 14 de Agosto de 1385.
  3. A Restauração no século XVII: o 1º de Dezembro de 1640.
Destes três momentos históricos, teoricamente possíveis, a data que Portugal há muito escolheu para celebrar o valor colectivo da Independência Nacional foi precisamente a data de 1 de Dezembro, certamente por se referir ao último tempo em que perdemos a independência e a reconquistámos. Devemos essa celebração e esse feriado a um punhado de patriotas, encabeçados por Alexandre Herculano, em 1861. Por isso, o feriado do 1º de Dezembro é o primeiro dos nossos feriados nacionais e o mais antigo dos nossos feriados civis. O facto atravessou todos os regimes políticos. Até hoje.

Acabar com ele? Não, obrigado!

O "euroclismo"


A crendice com que se caminha para o novo Tratado carece de comprovação objectiva. Independentemente dos problemas próprios desse "tratado intergovernamental" - o último truque dos juri-engenheiros de Bruxelas -, tenho as mais sérias dúvidas sobre que resolva o que quer que seja de fundamental e que venha a aplacar os "mercados". Se isso acontecer, serei o primeiro a reconhecê-lo. Mas nada indica que assim seja. É mais um passo vigoroso... no mesmo sítio. Ou seja, corremos o risco de perder mais um bocado de soberania... para coisa nenhuma.

Há dias, num interessante artigo no "Público" - Reinventar a Europa? -, Carlos Gaspar escrevia estas linhas:
«A crise revelou clivagens profundas que dividem uma "Europa do Norte" puritana, protestante e rica e uma "Europa do Sul" generosa, católica e pobre, ou que separam um "bloco germânico" partidário da austeridade de um "bloco latino" defensor do crescimento, ou ainda que opõem a paixão francesa pelo Estado à obsessão alemã com a estabilidade monetária. As linhas de fractura paralisam o processo de integração, ao mesmo tempo que se revela uma convergência entre os populismos e a tecnocracia, que ameça a democracia europeia. A crise já levou à "suspensão da democracia" na Grécia e na Itália, enquanto os partidos populistas eurocépticos ganham terreno em França, na Hungria e na Finlândia (mas não na Alemanha). Por último, as tendências de "renacionalização", que mostraram a sua força logo nos referenda que rejeitaram o tratado constitucional há seis anos, não só marcam o fim das ilusões acerca do "Estado postnacional", como representam um risco sério de inversão da dinâmica de integração.»
Este é o problema: está em crise o espírito europeu. Em bom rigor, está desfeito.

A Europa dá, por todo o lado, sinais de desagregação. É isso que os "mercados" também vêem. E a coisa não vai lá com truques, nem com remendos. Ou abordamos o problema de frente, fundando e consolidando o espírito europeu e liderança comum europeia, ou aguardar-nos-á um terrível cataclismo: o "euroclismo". A casa, um dia, pode mesmo vir abaixo.

E se a Igreja propusesse acabar com a Páscoa?


A insensibilidade com que muitos continuam a tratar a eventual extinção do feriado do 1º de Dezembro não deixa de me surpreender. O mesmo digo da indiferença de outros.

A abolição deste feriado seria o mesmo que a Igreja, confrontada com a necessidade de cortar nos feriados religiosos, propusesse precisamente acabar com o dia de Natal - que celebra o nascimento de Cristo - ou com a Paixão e a Páscoa - que são, pela Ressurreição, o fundamento do Cristianismo.

Portugal decretar o fim daquele feriado que celebra a sua Independência Nacional e a sua existência própria como Nação seria, na verdade, uma coisa inadmissível. E estou convencido, absolutamente única: não há certamente nenhum país no mundo inteiro em que tenha acontecido uma coisa dessas. Como tenho dito, o 1º de Dezembro é o "feriado fundador".

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

CPLP e a chita africana

A Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) vive um momento alto. Ontem, foi oficialmente inaugurada a sua nova sede e realizou-se uma reunião extraordinária Conselho de Ministros. Hoje, decorreu um muito interessante colóquio, em que brilharam Jorge Sampaio, Joaquim Chissano, Pedro Pires e Mário Soares.

Estive lá. Passei lá boa parte da manhã, revendo e conversando com muitos amigos no espaço da lusofonia.


Gostei particularmente de ouvir a intervenção do antigo Presidente de Moçambique, Joaquim Chissano, que apontou quatro linhas prioritárias para o desenvolvimento próximo da CPLP:
1ª - Consolidar-se como organização de povos e não só de Estados.
2ª - Acelerar a cooperação económica e empresarial.
3ª - Aprofundar a cooperação político-diplomática e cultural no espaço mundial.
4ª - Concretizar uma efectiva e real circulação de bens, pessoas e serviços.
Este, bem pode dizer-se, seria um magnífico programa para a próxima década - se calhar, mesmo para duas décadas.

Quinze anos depois da sua fundação, a CPLP é uma organização cada vez mais madura. A todos os níveis. Sente-se intensamente, por todo o lado, um espírito que é, ao mesmo tempo, cada vez mais velho (e sábio) e cada vez mais jovem (e ambicioso). Um espírito caloroso.

No nosso caso, a crise actual ajuda. Não há como as crises para nos trazer de volta à família. E a CPLP é a nossa família.

Chissano soube também gracejar e fazer apostas no potencial de afirmação mundial da CPLP e dos seus países. Depois de citar uma notícia da imprensa que lera no avião e que dava conta de que «o Brasil ascendeu a 6ª economia mundial, ultrapassando o Reino Unido», chamou a atenção para o facto de que «o continente africano está em crescimento contínuo na última década», destacando os «espaços de paz que se têm ampliado e melhores formas de governação». Citou também o caso de Moçambique que, «nos últimos anos, cresce sustentadamente 7% ao ano». E concluiu, arrancando gargalhadas de aplauso na assistência: «Nos próximos anos, o que vamos ver cada vez mais é a afirmação da chita africana. Digo isto a pensar nos tigres asiáticos.»

Sempre pensei isso.


Barriga escondida, aluguer de fora


Já comentei aqui o risco de consequências perversas do modo sonso como acabou, em Janeiro, o debate e votação parlamentares dos projectos de lei sobre as barrigas de aluguer - foi no post  Erro? Ou manipulação?

O meu comentário dirige-se à retirada de votação, à última hora, dos projectos de lei do PS e PSD, que baixaram, assim, sem mais, à comissão parlamentar para mais prolongada mastigação e digestão. É evidente que nada foi aprovado. Mas o expediente, além de uma saída airosa para a trapalhada em que esses grupos se tinham entalado, permite ainda criar a ilusão de os projectos foram aprovados e a lei "avança".

Primeiro, foi logo o DN a propagar essa falsa ideia. E a imagem ficou. No passado dia 4, o jornal i fazia-se eco da mesma ideia. Ora leiam:

jornal i, 4-fev-2012, pág. 21
Barrigas de aluguer vedadas a solteiras
 As barrigas de aluguer estiveram em discussão na Assembleia a 20 de Janeiro. O Bloco de Esquerda e a Juventude Socialista apresentaram uma proposta de alargamento das barrigas de aluguer a mulheres solteiras e a homossexuais, mas o projecto foi chumbado As bancadas do PSD do CDS do PS e do PCP votaram contra. Dois projectos-lei do PS e do PSD sobre maternidade de substituição foram aprovados e baixaram à comissão. A proposta socialista consagra as excepções à proibição de recorrer à maternidade de substituição O PSD quer a utilização de técnicas de procriação medicamente assistida.

Surpreendidos? Pois é... É mentira, mas vai passando. Barriga escondida com aluguer de fora.

Ou será ao contrário? Aluguer escondido com barriga de fora.

Organizemo-nos (II)


Desde o fim de Dezembro, temos publicado aqui vários posts sobre a questão da extinção dos feriados e da eliminação do feriado nocional do 1º de Dezembro. Aqui, fica a respectiva relação, actualizada ao dia de ontem, para quem quiser ler ou recapitular:


Vamos continuar.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Helmut Schmidt, esse grande democrata-cristão


Não devem apagar-se os ecos e os aplausos ao notável discurso que Helmut Schmidt fez, em Dezembro, no Congresso do SPD em Berlim. Surpreende-me até como não é mais citado, mais recordado, mais glosado. As suas palavras mostram como é possível ter esperança na Alemanha. Seria mesmo importante que, em próximas reuniões do PPE - Partido Popular Europeu, houvesse a coragem de saudar a sua visão como estando ao nível do pensamento e da acção de grandes líderes e chanceleres democratas-cristãos como Konrad Adenauer, Ludwig Erhard e Helmut Kohl.

Digo propositadamente esta pequena provocação. Acredito que boa parte da resposta à profundíssima crise actual tem que vir de dentro da própria Alemanha, onde o pensamento de Schmidt é partilhado por vários sectores. Um estremeção e um rebate de consciência histórica e de boa memória doutrinária por parte da CDU/CSU daria muito jeito: à Alemanha e à Europa.

Agradeço a Paulo Marcelo os excertos inspiradores do velho Chanceler do SPD que tem colocado no Cachimbo de Magritte. Leiamos o post I. Leiamos o post II. E leiamos o post III. Digam lá que não é magnífico?

Fico-me com esta citação: «Nós, alemães, temos razões para estarmos gratos. E simultaneamente temos a obrigação de nos mostramos dignos da solidariedade através da solidariedade com os nossos vizinhos.»

O nó do cego


Correia de Campos publica, hoje, no PÚBLICO um interessante artigo sobre o novo tratado intergovernamental europeu que se anuncia. O artigo chama-se exactamente «O tratado».

O relato e o diagnóstico que faz merecem cuidada leitura e atenta ponderação. E, na verdade, este Tratado, não sendo propriamente um nó cego, mais parece o "nó do cego". Obedece a uma certa visão muito em voga em Berlim, mas comunga de uma religião difícil de vender mesmo aos mais crentes: a ideia de que é possível tranquilizar e satisfazer os "mercados" por políticas agrilhoadas nas paredes jurídicas de um tratado. A realidade já serviu para mostrar que essa crendice em nada corresponde à realidade, nem à dinâmica dos factos. Mas quem manda, manda... e os os outros obedecem.

Correia de Campos termina o artigo, afirmando: «O tratado é uma peça da política da direita europeia pura e dura, não a direita da democracia cristã. Durará enquanto durar esta maioria de pensamento. O seu destino é cair, substituída por um novo consenso, mais sensível aos valores da solidariedade. Sem esquecer a disciplina orçamental, mas sem a erguer em dogma universal e culpabilizante.»

Ainda bem que isentou a democracia-cristã de responsabilidades ideológicas nesta coisa. Mas também tenho dúvidas sobre a acusação que faz à "direita". A direita conservadora de Cameron rejeitou frontalmente o tratado (embora por motivos que Correia de Campos não acompanharia) e a República Checa, igualmente à direita, também se afastou na última Cimeira. 

Melhor é responsabilizar somente os cegos que empurram este comboio e acreditam nestes nós. O tempo tratará de uns e de outros. Oxalá não nos leve a nós também...

O dedo na ferida

Jacques Attali é, em França, um altamente reputado professor e escritor. Conselheiro de Estado honorário, foi conselheiro especial do Presidente da República, François Mitterrand, de 1981 a 1991.

Autor de vários livros, lançou em 2010 um ensaio sobre aquele que é ainda o tema dominante do momento: a crise das dívidas soberanas.

«Tous ruinés dans dix ans?»  tornou-se rapidamente um best seller e compreende-se bem porquê: esta crise veio para ficar. Não há meio de nos largar a porta, nem de sair do palco.

Na edição original da Fayard, sintetizavam assim os editores: «Será que vamos todos estar arruinados dentro de dez anos? Nunca, salvo durante a Segunda Guerra Mundial, a dívida pública dos principais países do Ocidente foi tão alta. Nunca foram tão graves os perigos que ela representa para a democracia. Para compreender as razões subjacentes que podem levar os Estados como a Islândia e a Grécia à falência, Jacques Attali percorre de novo a história da dívida pública, que é também a da constituição progressiva da função soberana e daquilo que ameaça destruí-la. Esta é a encruzilhada da dívida pública actual, decorrente da crise financeira e cuja superação é necessária à solução desta, mas onde cada um sente bem que aquela não pode continuar a crescer sem provocar as piores catástrofes. Ainda é possível resolver estes problemas, evitar a depressão, a inflação e a moratória, repensando o papel do Estado soberano e da percentagem da despesa pública, estabelecendo diferentes regras contabilísticas e uma nova arquitectura financeira e política, tanto em França, como na Europa ou no mundo.»

Isto era a reflexão de Attali em 2010. Como estamos hoje, dois anos depois? 

O livro chegaria também rapidamente a Portugal, através da Aletheia, que o apresenta desta forma, citando o autor: «Estaremos arruinados dentro de pouco tempo? Estaremos a levar os nossos filhos à ruína? Poucas vezes tais questões terão sido colocadas de forma tão incisiva. Com efeito, à excepção dos períodos de guerra total, nunca a dívida pública dos países mais poderosos foi tão elevada como é hoje. E nunca os riscos que tal implica para o nível de vida e os sistemas políticos destes mesmos países foram tão ameaçadores como são hoje. Poderá parecer que estamos perante um assunto árido e técnico, mas na verdade não é assim, porque o que está em causa é o nosso destino. Nomeadamente em França, se não se põe imediatamente travão ao crescimento da dívida pública, o próximo Presidente da República ver-se-á obrigado a passar todo o seu mandato a impor uma política de austeridade; e a França e cada um dos franceses passarão a próxima década a sofrer as consequências das loucuras cometidas na década que terminou. Como poupar às gerações futuras a obrigação de pagarem – e de pagarem caro – o cinismo dos nossos contemporâneos?» 

Sem cuidarmos de saber se Sarkozy e Hollande, os grandes actores das próximas eleições presidenciais francesas, o terão lido, será este o livro no centro da palestra e do debate de hoje. É logo ao fim da tarde, na Livraria Férin, em mais uma sessão do ciclo POLÍTICA E PENSAMENTO: A VOZ DOS LIVROS, com o apoio do jornal i e da Antena Um. Orador convidado: João Salgueiro. Apareça!

O falso indeciso


Conheci João Salgueiro em 1981/82. Era ministro de Estado e das Finanças e do Plano. Eu era um jovem secretário de Estado na Presidência do Conselho de Ministros. Estávamos no último Governo da AD, o segundo Governo Balsemão. As coisas não eram já tão sólidas como a onda de entusiasmo que atravessara e contagiara o país, quando a Aliança Democrática se apresentou - e ganhou, duas vezes, em 1979 e 1980, com maioria absoluta saída do voto popular directo. Tinha, entretanto, acontecido Camarate e Sá Carneiro tinha morrido. A AD passara de um cimento comum a mera coligação de partidos. Dava sinais de fragilidade e desagregação, quer dentro do maior partido, quer entre os partidos. Viria a cair por causa disso. E essa fragilidade e quebra de coesão afectou também, inevitavelmente, a condução das políticas financeiras e económicas do Governo, quando Portugal enfrentava um quadro crítico e difícil. A AD viria acabar por causa dessa falta de coesão, pós-Camarate. E, poucos meses depois, o FMI desembarcava pela segunda vez em Portugal.

João Salgueiro era já uma figura bem conhecida das elites económicas do país e um político com sólida formação e experiência em economia e finanças. Estava, então, na casa dos 40 anos. Era respeitado. Mas tinham-lhe construído uma imagem de "indeciso". Posso testemunhar exactamente o contrário. Conversámos algumas vezes sobre os problemas dessa altura: o aperto do défice e do endividamento - tinha que ser...  "Défice" e "endividamento", onde é que já ouvimos isto? Trabalhei algumas vezes com ele, preparando operações sobre a opinião pública a respeito da difícil situação do país. E pude verificar não só o acerto e o rigor do seu diagnóstico, mas a determinação e clareza das suas propostas e intervenções sucessivas no Conselho de Ministros. Os indecisos foram outros.

João Salgueiro é licenciado em Economia, pelo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, e pós-graduado em Planeamento Económico e Contabilidade Pública, pelo Instituto de Estudos Sociais de Haia. 

A sua actividade profissional foi sobretudo no sector bancário, desde que começou como técnico do Banco de Fomento Nacional até presidente dos Conselhos de Administração do Banco de Fomento Nacional e da Caixa Geral de Depósitos. Foi também vice-governador do Banco de Portugal e, durante vários anos, presidente da Associação de Bancos Portugueses.

Na vida cívica e política, presidiu à JUC - Juventude Universitária Católica e participou na fundação da SEDES, que desempenhou um importantíssimo papel no período da chamada "Primavera Marcelista". Foi brevemente Subsecretário de Estado do Planeamento, no primeiro Governo de Marcelo Caetano, de 1969 a 1971, afastando-se nesta altura. Foi Director Central de Planeamento e, depois do 25 de Abril, aderiu ao Partido Social Democrata, de que poderia ter sido eleito presidente, em 1985, não fora a célebre rodagem de um Citroën no Congresso da Figueira da Foz. Mas isso são outras histórias... Foi, como referi de início, ministro de Estado, das Finanças e do Plano do VIII Governo Constitucional, de Pinto Balsemão, entre 1981 e 1983. 

Hoje, se as minhas fontes não me enganam, é membro do Conselho Económico e Social, vogal do Fundo de Garantia de Depósitos e colaborador da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, onde rege o Seminário de Economia Europeia.

Vem, hoje, ao ciclo POLÍTICA E PENSAMENTO: A VOZ DOS LIVROS para nos falar do livro de Jacques Attali, «Estaremos Todos Falidos Dentro de Dez Anos?» Em certo sentido, volto aos tempos em que conheci João Salgueiro. Já então (1982), nos atormentava o défice e o endividamento. Mas, grave e difícil que era a situação do pais, tudo parece uma brincadeira de crianças, hoje, a esta distância, quando comparamos isso com o tsunami actual da crise das dívidas soberanas a que Attali apontou o dedo e este pântano da eurolândia a que vamos assistindo - e, infelizmente, não só assistindo.

Se quiser, apareça, logo ao fim da tarde, na Livraria Férin. É o tema do momento.

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A ruína grega e os cacos


As ruínas do Pártenon são a imagem adequada da Grécia de agora. Estão despidas de beleza e da História. É somente o retrato de um país que se vai escavacando.

As notícias da Grécia entristecem. A Grécia foi o berço da civilização? Ou o berço da corrupção? É a Grécia um pólo de cultura? Ou o laboratório de todos os truques e manobras? Mora na Grécia a fonte da democracia? Ou é a Grécia o seu coveiro?

Depois de tudo o que vimos e lemos desde há dois anos, as notícias destes dias espantam - se algo, da Grécia, ainda pode espantar. Não é só brincar com o fogo - é brincar com o fogo no meio do incêndio. É fazer equilibrismo no arame... sem arame. É fazer piruetas e malabarismos já bem para lá do precipício.

Ontem, até o sereno e cordato Juncker ameaçava, para infundir algum juízo e bom senso. Hoje, vêm notícias de que nada disso serviu. Como diriam Astérix e Obélix, "ils sont fous ces grecs!" A Grécia actual pode mesmo ser um caso perdido - e perder-nos a todos. Maus políticos, muito maus políticos! E forças sociais completamente alienadas e descabeladas. 

Tenho ouvido muitas vezes a ideia de que, se Angela Merkel tivesse cedido e agido depressa logo ao princípio da crise grega, nada teria acontecido - e tudo estaria resolvido. Cheguei a pensar assim. Hoje, tenho as mais sérias dúvidas disso. Não só por causa da Grécia e da sua flagrante e insistente irresponsabilidade, mas também por tudo o que temos visto neste corso do euro: se, até hoje, nada tem resultado de vez, por que é que acudir aos gregos logo no princípio teria resultado de vez?

Se calhar, vai ser preciso deixar cair a Grécia. O pior é o resto. Melhor dito, o pior é o arrasto. Foi muito mau Sócrates ter-nos deixado parecer demasiado com a Grécia. Como foi muito mau ter-se deixado Sócrates a gesticular para além do prazo. Muito má estratégia política. Mas todo o quadro é muito mau, mesmo abstraindo, agora, da herança de Sócrates. Descolámos da Grécia na imagem geral, mas descolamos pouco na sentença das agências de rating e nos números frios dos mercados da dívida, que continuam mortais.

Apetece pensar na Grécia como uma vacina. Mas vacina de quê? Qual foi, afinal, a doença? E qual será o preço final da "vacina"?

A ruína grega só traz cacos? E já são muitos. Ou trará também o caos? 

A Grécia e as forças sociais e políticas gregas não estão a jogar só consigo e com os gregos - jogam também connosco. Na roleta de Atenas, também está o euro. E também estamos nós.

Tempos difíceis.Tempos duros. Tempos muito incertos.

Pontes p'ra que te quero


Outra coisa que não entendi nesta questão dos feriados foi o não se ter insistido no fim das "pontes" ou, pelo menos, numa sua disciplina mais estrita. Essa teria sido outra das vantagens, se se tivesse retomado o fio da meada do debate parlamentar da anterior legislatura: o projecto de Resolução n.º 136/XI, das ex-deputadas do PS Teresa Venda e Maria do Rosário Carneiro, que enfrentava claramente este problema.

Estive a fazer uma simulação de ciclo completo com os feriados de 2006 a 2012 e verifiquei que a eliminação das "pontes", encostando o dia de descanso dos feriados sempre a uma segunda-feira ou a uma sexta-feira, como acontece com vários feriados em vários países, permitiria ganhar 5 a 11 dias de trabalho para a economia por ano. Mesmo desaparecendo o Carnaval, como o Governo, dá mostras de querer fazer, ainda poderíamos ganhar 4 a 10 dias/ano, consoante o concreto calendário dos feriados. E, se não considerarmos também as "pontes" mais gordas, que atracam nas quartas-feiras e são menos certas e menos generalizadas, ainda assim o ganho seria de 2 a 5 dias/ano para a economia. 

Este debate a respeito das "pontes" seria bem mais fácil de fazer, quer socialmente, quer politicamente. Todos gostam das "pontes"; mas todos temos alguma má consciência pelas férias-extra que permitem e pelos abusos a que dão lugar, estimulando a extrema criatividade na "engenharia das férias e folgas". Em período de crise, seria mais aceitável essa estrita disciplina - ou mesmo o fim das "pontes" - do que estar a mexer com os feriados em si mesmos e as datas simbólicas.

E, se o propósito do Governo era o de acabar com o excesso de interrupções da produção ao longo do ano, então o alvo deveria ser, precisamente, mais as "pontes" e menos os feriados. O regime do acordo de concertação - Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego - é, aqui, algo confuso e complexo. Duvido que resulte.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Algo em troca? Ou só em "troika"?


Uma das vantagens que haveria, nesta discussão do fim de alguns feriados, em ter retomado o fio da meada - o projecto de Resolução n.º 136/XI das duas ex-deputadas Teresa Venda e Maria do Rosário Carneiro - seria o de que, nesse quadro, a consideração completa e compreensiva de toda a problemática daria algo em troca. O título do projecto de Resolução era «Solidariedade: um caminho para a competitividade» e, sendo mais exigente nos feriados e "pontes" (e mais racional, digo eu), não se limitava a tirar; dava algo - tinha mão direita e também mão esquerda.

Por um lado, os cortes nas "pontes" e o novo regime dos feriados permitiriam a introdução de algum outro feriado que fizesse socialmente mais sentido: na proposta, era o caso do 26 de Dezembro, que é comum em numerosos países europeus - neste exemplo, os efeitos negativos sobre a produtividade são muito baixos. Por outro lado, mais importante ainda, a nova disciplina dos feriados (e o fim da actual bandalheira das "pontes") criaria a base económica indispensável a sustentar o aumento do Salário Mínimo Nacional, que foi previsto e, entretanto, suspenso. 

A retoma do caminho para os 500 € mensais de salário mínimo permitiria atingir objectivos sociais mínimos e também estimular a economia pela base, aumentando o consumo de bens não importados. Bem precisaríamos. Assim, continuará tudo adiado e nem sei se o actual contexto da "troika" consente esse tipo de planos. [NOTA: a meta dos 500 € euros/mês é no quadro de 14 salários mensais por ano.]

É pena. As boas ideias são para retomar.

O futuro é de África

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Estou farto de ouvir que «África é um continente perdido». Só gente sem visão pode pensar e dizer esse tipo de coisas. Sempre pensei o contrário. 

Acharão talvez que exagero na minha "africofilia". E não compreenderão o título deste post, quando são tão más - ainda - as notícias dominantes que nos chegam do continente africano. Perguntarão por que digo eu que o futuro é de África.

É fácil. Basta analisar e estudar os números e quadros das previsões demográficas das Nações Unidas, constantes do "World Population Prospects: The 2010 Revision". Basta olhar para o gráfico acima, cujo original pode ser consultado aqui. Que nos diz o gráfico?

O continente africano tem, hoje, apenas 14,8% da população mundial. Subirá para 23,6% em 2050 e  para 35,3% em 2100 - por outras palavras, África corresponderá a 1/4 e a 1/3 do mundo, respectivamente a meio e no final deste século. Conhecerá sensível melhoria da situação sanitária, contínuo crescimento económico, progresso social e assinalável aumento do peso político global. Mora aí o futuro. 

A Europa é que, se não se cuida, coitadinha... Cairá de 10,7% da população mundial, para 7,7% em 2050 e 6,7% em 2100. Ainda por cima envelhecida e fraca.