segunda-feira, 19 de março de 2012

O mandato de soltura europeu


O caso Vale e Azevedo voltou de novo aos jornais. Rolou mais um episódio do jogo-do-gato-e-do-rato que, desde há vários anos, Vale e Azevedo vem entretendo com o Ministério Público e os tribunais portugueses e britânicos. E há também outras histórias deliciosas que, mês sim, mês não, nos vão entrando pelos noticiários, dando conta de que, apesar de tudo o que já lhe aconteceu, insiste em ir prosseguindo a sua actividade delituosa junto de qualquer incauto que apanhe por diante: a UNITA, o senhorio, o sistema de assistência jurídica britânica, etc.

Não é isso que interessa aqui. 

Mesmo que o caso dê vontade de rir, o caso não tem graça nenhuma. Não me refiro ao efeito de desmoralização geral e de descrédito completo que escapar escandalosamente às malhas da Justiça sempre provoca na população. Refiro-me à evidente fragilidade judiciária do instrumento usado, o que é o mais grave que está em causa.

Diversamente do que a imprensa refere - e insiste -, estes processos em Londres não são de "extradição". Isso era antigamente. Agora, o instrumento chama-se "mandato de detenção europeu" ou, mais jornalisticamente, mandato de captura europeu. Foi introduzido, com grande pompa e solenidade, em 2004, num contexto particularmente duro: a seguir aos atentados do 11 de Março em Madrid e como uma das medidas europeias de combate ao terrorismo. O mandato de captura europeu já estava em discussão há muito, nas medidas para melhorar o chamado Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça. Mas não andava, nem desandava. E foi na ressaca imediata das bombas de Madrid que se gerou o clima político propício a ser introduzido.

O mandato de captura europeu procura, assim, superar a burocracia excessiva e os labirínticos corredores do tradicional processo de extradição, introduzindo um instrumento de cooperação judiciária mais efectiva para combate à criminalidade no espaço da União Europeia. Na mente dos seus autores, seria "trigo-limpo-farinha-amparo". Com o caso Vale e Azevedo, vê-se...

Imaginemos, na verdade, que, em lugar de um imaginoso burlão, estaríamos a lidar com criminosos de maior perigosidade social: terroristas, raptores, pedófilos, grande criminalidade económica, traficantes... Quem pode sentir-se seguro com um sistema que funciona assim?

A forma como, em directo e ao vivo, Vale e Azevedo usa os truques mais elementares para gozar continuamente com toda a gente e pôr a ridículo ao mesmo tempo o nosso sistema judiciário, o sistema judiciário britânico e a cooperação judiciária europeia expõe as debilidades de tudo isto. E o facto de o folhetim continuar apenas serve para mostrar que realmente ninguém se importa. Para vergonha da Justiça. E insegurança dos honestos.

Creio que, no caso dele, Vale e Azevedo está a acumular um enormíssimo sarilho. Mas, entretanto, já desacreditou o sistema por inteiro. E o sistema importa-se?

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