Expus no post anterior a minha convicção de que tal como está concebido, o programa dos vistos gold é bom e funciona. Nem Portugal é único na oferta deste programa (só na Europa, mais dez países oferecem coisas parecidas), nem os sistemas de controlo são ineficientes, nem os cidadãos em questão são criminosos – precisamente, se fossem, não podiam obter o visto.
É a rede de captação de «clientes» para os escritórios de advocacia e para os agentes imobiliários que é fonte de corrupção, de que as vitimas são os que procuram esses vistos.
Desconheço os exactos contornos da acção da rede – se é que existe – da alta Administração Pública, neste contexto, mas o simples facto de quatro altíssimos dirigentes estarem envolvidos, é só por si motivo de extrema preocupação.
Entendamo-nos: os Directores-gerais em causa são o vértice máximo da AP nos seus ministérios. Estão situados imediatamente abaixo dos membros do Governo e medeiam a relação destes com a Administração em cada Ministério.
Dos quatro em questão (conheço dois) só uma Senhora não é – tanto quanto sei – funcionária de carreira. Os outros três fizeram a sua vida profissional na AP e, num dos casos, no serviço de que agora é o dirigente máximo. Não são arrivistas, nem boys de nomeação partidária. O ex-Director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, foi nomeado em 2004, num Governo da AD, manteve-se em funções ao longo do consulado socrático e no novo Governo da AD. Menos boy do que isto, é difícil.
O mesmo pode ser dito do ex-Presidente do Instituto de Registos e Notariado, a antiga Direcção-Geral com o mesmo nome.
Se há fogo por trás do fumo das acusações vindas a público, o que se passou na cabeça destes grandes funcionários públicos com carreiras longas, brilhantes e prestigiadas?
Eu acho que estamos aqui perante um sintoma – uma ponta do iceberg, por assim dizer – de um mal antigo, de uma fome atávica e canibal, que ao longo dos séculos devorou o Estado Português na boca dos seus próprios servidores: uma deliquescência total dos valores de serviço público e padrões morais e de exigência que deviam enformar a AP.
«Fome antiga, atávica e canibal...»
Não tomem a árvore pela floresta, mas desde os célebres PIN’s (projectos de interesse nacional) de Sócrates, aos Golden Visas de Portas, a AP habituou-se a dispor de extraordinários poderes de decisão arbitrária, cuja sindicância judicial é de facto, impossível, porque os tribunais administrativos não funcionam.
Quando uma AP se habitua a decidir arbitrariamente, sem controlo judicial possível – e é o caso, qualquer afluxo de dinheiro fácil e súbito é um irresistível chamariz.
Em condições normais, esperar-se-ia contenção e disciplina, ao menos nos escalões máximos. Mas as condições não são normais num País em que os mais antigos banqueiros defraudam a confiança dos seus clientes, os membros do Governo mentem para lá chegar e acusam subordinados para escapar à sua própria responsabilidade politica, a desigualdade social cresce e torna-se escandalosa e a moral da população é zero. Portugal é hoje, como se vê, um País sem amor próprio, sentido da sua dignidade e espinha dorsal.
Muito mais haveria a dizer sobre tudo isto, desde o Ministro dos saldos nacionais que nos vende a pataco na Venezuela ou em Cuba, até à Ministra que conspira com os dirigentes do seu Ministério para «tramar» dois funcionários e fazer-lhes passar culpas de factos gravíssimos que são da exclusiva responsabilidade dela Ministra. Gente que assim utiliza as funções públicas para preservar o seu próprio interesse, não é um guia seguro para a honradez nas altas esferas do Estado.
Em suma, cheira a podre, está podre e carece de um piparote daqui para fora, mas não é o programa do Golden Visa, é o estado a que o Estado Português chegou.
E agora não falo daquilo que se prepara para a privatização da TAP, porque este post já vai longo…
PS: peço desculpa ao eventual leitor pela horrível imagem que inseri neste post, mas é a forma que tenho de simbolizar o nojo que tudo isto me causa!