quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Saiu-nos o Zé errado


Ocorreu-me lembrar a um recente estudante de filosofia, a conhecida história de José, filho de Jacob. Vem longamente contada no Livro do Génesis e é muito antiga. 

José vendido como escravo
Favorito do pai, gostava de ler os sonhos e tinha o poder de os decifrar. Os irmãos, carregados de inveja, venderam-no a uns passantes ismaelitas, que o levaram para o Egipto e o venderam como escravo a Potifar, um próximo do faraó. Vítima de intrigas, acaba sendo preso. E é na prisão no Egipto que volta a mostrar a sua capacidade de interpretar os sonhos

Por esses dias, o faraó é atormentado por um pesadelo repetido: 

1 E aconteceu que, ao fim de dois anos inteiros, Faraó sonhou e eis que estava em pé junto ao rio. 2 E eis que subiam do rio sete vacas, formosas à vista e gordas de carne, e pastavam no prado. 3 E eis que subiam do rio após elas outras sete vacas, feias à vista e magras de carne, e paravam junto às outras vacas na praia do rio. 4 E as vacas feias à vista e magras de carne comiam as sete vacas formosas à vista e gordas. Então, acordou Faraó. 5 Depois, dormiu e sonhou outra vez, e eis que brotavam de um mesmo pé sete espigas cheias e boas. 6 E eis que sete espigas miúdas e queimadas do vento oriental brotavam após elas. 7 E as espigas miúdas devoravam as sete espigas grandes e cheias. Então, acordou Faraó, e eis que era um sonho. 

Inquieto, o faraó procura quem lhe decifre o sonho, acabando por chamar o preso José à sua presença, cuja fama lhe chegara aos ouvidos. José dá-lhe a leitura certa: 

29 E eis que vêm sete anos, e haverá grande fartura em toda a terra do Egipto. 30 E, depois deles, levantar-se-ão sete anos de fome, e toda aquela fartura será esquecida na terra do Egipto, e a fome consumirá a terra. 

José deu ainda ao faraó os conselhos certos para o Egipto sobreviver aos sete anos de vacas magras, depois de sete anos de vacas gordas: 

33 Portanto, Faraó se proveja agora de um varão inteligente e sábio e o ponha sobre a terra do Egipto. 34 Faça isso Faraó, e ponha governadores sobre a terra, e tome a quinta parte da terra do Egipto nos sete anos de fartura. 35 E ajuntem toda a comida destes bons anos, que vêm, e amontoem trigo debaixo da mão de Faraó, para mantimento nas cidades, e o guardem. 36 Assim, será o mantimento para provimento da terra, para os sete anos de fome que haverá na terra do Egipto; para que a terra não pereça de fome. 

José, primeiro-ministro do Egipto
O faraó nomeia, então, José primeiro-ministro e este, por todo o Egipto, constrói celeiros, onde faz acumular reservas abundantes. Quando chegam as dificuldades e o duro aperto da crise, todos os povos em redor sofrem a grande fome, enquanto os egípcios se mantêm relativamente folgados dadas as reservas acumuladas nos celeiros pelo sábio José, primeiro-ministro. 

A história continua; e acaba com o reencontro de José com o pai (que fica radiante, pois fora levado a pensar que o seu filho predilecto morrera) e com os irmãos (que se envergonham e arrependem). É uma história carregada ainda de mais lições para quem quiser lê-la toda. Mas o fundamental da história é a sabedoria e a prudência de José, o escravo elevado a primeiro-ministro que fez o elementar: acumular reservas nos tempos de folga para aliviar apertos nos momentos de dificuldade. 

Em Portugal, o que nos aconteceu é que nos saiu o Zé errado. 

Não acumulámos reservas. Pelo contrário, nos anos – que foram longos – de abundância, gastámos tudo o que tínhamos e também o que não tínhamos. Acumulámos dívidas, que atingiram cifras astronómicas. E, quando a roda da fortuna desandou, como sempre desanda, não tínhamos celeiros, mas apenas bancos e credores. Não achámos reservas, mas apenas cautelas: títulos de dívida com juros cada vez mais proibitivos. 

É essa a razão por que fomos condenados a ter que atravessar este longo inverno de austeridade, a grande fome do sonho do faraó: saiu-nos o Zé errado. Não decifrou o sonho, não preparou o futuro. 

Foi desta velha história que me lembrei ao ler esta notícia. Mais ainda ao ler este dito “esclarecimento”

Que a história do sábio José possa iluminar os estudantes de filosofia em todo o mundo, e os seus colegas, camaradas e companheiros, é o que desejo. É uma história simples, prudente e sábia, as grandes virtudes dos fortes: simplicidade, prudência, sabedoria. 

Já não podemos mudar o passado; mas o futuro, sim.

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