Há quem assegure tê-lo visto já no cerco de Madrid, em 1936, enfrentando as tropas franquistas, logo no início da Guerra Civil de Espanha. Mas não só ele nunca o disse, como não é provável que tenha sido assim – não teria idade para isso. Essa é apenas uma das muitas lendas que dele se contam, em surdina, em tascas, leitarias e cafés ou por travessas, becos e vielas de bairros operários e doutros recantos de mil revoluções reais e imaginadas.
Certo, certo é que esteve em Estalinegrado, em combate de vida ou de morte na URSS do camarada José Estaline, resistindo ao avanço das divisões nazis e virando nessa heróica batalha de 1943 não só a sorte da frente Leste, mas o destino de toda a II Grande Guerra, segundo a narrativa vermelha. Jovem comunista e revolucionário, filho de operários comunistas, Lenine Praxedes continuou com os camaradas soviéticos depois do triunfo de Estalinegrado, acompanhando os avanços pela Ucrânia, pela Polónia e pela Checoslováquia, até irromperem pela Alemanha. Esteve na conquista de Berlim em 1945. Viu cair Hitler. Cuspiu de raiva e de alívio no bunker do seu suicídio.
Depois dessas campanhas, Praxedes regressou a Portugal. Entrou e saiu da clandestinidade. Teve problemas com a PIDE, que herdou a sua ficha da anterior PVDE. Conheceu as suas cadeias, no Aljube, em Caxias e em Peniche. Não houve revolta operária em que não participasse: no Barreiro, em Aljustrel, na Marinha Grande, na Covilhã, em Lisboa. Mineiros, vidreiros, operários têxteis, metalúrgicos, ferroviários, rurais alentejanos, todos conhecem os feitos de Lenine Praxedes e alimentaram a sua lenda. O 25 de Abril encontrou-o em Caxias, desfilou no primeiro 1º de Maio, marco fundador de todas as memórias, socialistas, comunistas e, para os maledicentes, sociais-fascistas.
A fórmula fundamental do nosso Lenine Praxedes ficou desses tempos heróicos de árduas lutas e de combates totais: “Fascismo, nunca mais!” Passaram os anos, viraram as décadas, mudou o próprio século e a fórmula foi e é sempre a mesma: “Fascismo, nunca mais!” Bem vistas as coisas, até o milénio mudou, mas não a fórmula-chave de Lenine Praxedes: “Fascismo, nunca mais!”
Hoje, diante da troika, revê-se em Estalinegrado, debaixo dos propriamente ditos bombardeamentos nazis, e responde: “Fascismo, nunca mais!” Se lhe perguntam pela bancarrota, não hesita um segundo: “Fascismo, nunca mais!” Se o questionam por falências e desemprego, dispara: “Fascismo, nunca mais!” Se lhe perguntam pela dívida: “Fascismo, nunca mais!” Se a questão é a despesa pública ou o défice do Estado: “Fascismo, nunca mais!” Se não há quem nos financie os custos e os hábitos, o punho esquerdo ergue-se fechado com o mesmo vigor de sempre: “Fascismo, nunca mais!” Se a economia está em cacos e as finanças em ruínas, que venha a greve geral: “Fascismo, nunca mais!”
Um dia, logo em 2003, consta que o levaram a ver o filme “Adeus, Lenine”. Lenine Praxedes não gostou e fez que não entendeu. E continua fiel ao discurso, às crenças e aos estribilhos e palavras de ordem de sempre. Atravessa as crises com o que a vida lhe ensinou, com o que sabe porque alimentou a sua vida: “Fascismo, nunca mais!”
Em matéria de caminhos, de saídas e de alternativas diante das curvas, ardis, labirintos e precipícios da crise do euro, da Europa e do país, não servirá para muito. Mas infunde respeito. E mantém as hostes dos seus.
De punho esquerdo fechado e erguido, lá vem Lenine Praxedes, velho, orgulhoso e lendário, com o estribilho de sempre: “Fascismo, nunca mais!” Em Estalinegrado, venceu tudo.
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