Foi um avô que sugeriu o nome que lhe deram: Felício, augúrio de que seria feliz. E, na verdade, a vida correu-lhe bem. Ascendeu por uma carreira política no Estado à chefia da eléctrica nacional e, pouco depois, era não só o gestor mais bem pago de todo o PSI-20, como ganhava já mais do que os presidentes da Apple e da Microsoft, dois gigantes mundiais. O avô tinha acertado: o petiz ia ser feliz.
Felício é, aliás, o único nome verdadeiro daqueles por que é conhecido. “Assobia” é um apelido que se lhe colou ao modo alentejano das alcunhas: ficou a dever-se à paixão pelas eólicas, aquelas ventoinhas que foram povoando de modo crescente os cumes e coroas dos nossos montes e montanhas. Como, a funcionar, fazem ruído ao modo de um assobio contínuo, o Felício ficou o “Assobia”. E “Engenheiro”, que efectivamente não é, foi tratamento que ganhou por, economista de formação, cedo se haver revelado, no dizer de colegas e subordinados, um talentoso “engenheiro de contas”: em qualquer situação que fosse, os outros podiam perder dinheiro, mas ele nunca. Tem uma forma de colocar as coisas em que sai sempre a ganhar. Uma arte!
É verdade que frequentou uma pós-graduação acelerada em Energia, ramo para onde a sua carreira às tantas derivou. E, uma vez mais aí, os seus talentos sobressaíram. Ao fim de poucos meses de estudos, agarrou nos princípios do electromagnetismo e estabeceu uma novíssima criação: o electro-magnate. Se, na célebre descoberta de William Sturgeon, os electro-magnetes ou electro-imãs criam um campo magnético a partir da corrente eléctrica, o electro-magnate de Assobia usa a electricidade para gerar um fortíssimo magnetismo de poder e dinheiro.
Mas, como é bom de ver-se, esta descoberta é mais de economia – a sua formação de base – do que de engenharia em sentido próprio, ainda que possa considerar-se sem dúvida como a sua mais sofisticada criação na muito exigente área da “engenharia de contas”. Por outro lado, o achado dos princípios e regras do electro-magnate teve um destino bem diferente do invento de Sturgeon: enquanto os electros-magnetes se divulgaram, democratizaram e popularizaram por múltiplas aplicações desde o século XIX, o electro-magnate do Engenheiro Assobia reverteu para uso exclusivo e proveito próprio.
Felício Assobia soube sempre movimentar-se, com uma noção muito clara do que sejam fins e menos aplicada do que sejam princípios. Fez carreira ascensional rápida, colada a gente influente, até ele próprio se tornar num dos mais poderosos do meio. Insinuou-se bem no espaço conhecido como Bloco Central, cultivando relações políticas e político-empresariais nos dois partidos dominantes. Ganhasse quem ganhasse, era certo e sabido: Assobia subia. E, no lado empresarial da sua carreira, Felício não perdeu tempo: empresas, só das maiores. “Mexe-se bem” – comentava-se. “Mexe-se muito bem.”
Embora a sua carreira fosse de origem pública e bem ancorada nas amizades políticas, a verdade é que cedo se distinguiu por ter uma visão privada do interesse público, talento que o levou até à alta direcção de um dos bancos mais influentes do país e onde aplicou, aprofundou e desenvolveu os seus talentos de “engenharia de contas”. A partir daí, oscilou entre política e sector público (passando por todas as grandes empresas da área da energia: petróleos, gás e electricidade) e sector privado (nas mesmas empresas da energia, que se foram privatizando). Há quem o considere um ás como PPP, isto é, um político público-privado.
A crise financeira foi apanhá-lo na liderança da electricidade, onde se consolidou verdadeiramente como aquele electro-magnate que descortinara na sua pós-graduação acelerada. E a crise, na verdade, não o afectou. Resiste como ninguém aos tempos de adversidade. A polémica das chamadas “rendas excessivas” resvala por ele como sobre oleado bem lubrificado. Até a troika não consegue vencê-lo. E, quando tudo cai e as falências se multiplicam, a eléctrica nacional, sob a hábil condução do Engenheiro Assobia conseguiu aumentos record dos seus lucros. Houve logo quem dissesse que era o frutuoso resultado do novo IRR = Imposto Rendeiro sobre a Recessão, uma nova aplicação da sua brilhante “engenharia de contas”. Más línguas! Tudo invejas e más línguas.
Bom conceito têm dele os chineses, que adquiriram posição de domínio na empresa. Estimam-no como poucos: vêem-no como um grão-mestre de Guanxi (conhecimentos, contactos, influência), conceito-chave na cultura empresarial chinesa. O nosso Assobia é, na verdade, um campeão de Guanxi, seja em Portugal, seja na Europa ou noutros lugares. E, após a privatização total da empresa, não deixou de o assinalar na rápida recomposição do Conselho Superior da eléctrica, tornado em mostrador e alavanca de Guanxi, protector contra aborrecimentos e contra-tempos, potenciador de novas oportunidades. O Engenheiro Felício Assobia sabe-a toda.
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